Spectra Dialógica Eletro-Acústica, Opus 66 - Janilson Fialho

Em Spectra Dialógica Eletroacústica, penso a forma musical como um organismo em constante mutação, no qual cada gesto sonoro se integra a um ecossistema rítmico e harmônico. A obra é escrita para saxofone tenor, escaleta, dois sintetizadores preparados para microtons e tam-tam, explorando a interdependência entre fontes acústicas e eletrônicas.


O ponto de partida estrutural é o trabalho com afinações microtonais em valores precisos de cents (-125, +50, -150 etc.), gerando desvios de temperamento igual que rompem a estabilidade do sistema tonal. O objetivo é deslocar a percepção harmônica para o campo espectral, onde a afinação é percebida como cor e não como função tonal. Os sintetizadores funcionam como um plano harmônico topográfico, sustentando campos de ressonância que se deslocam gradualmente, enquanto o saxofone e a escaleta operam como vozes móveis que ora se fundem, ora se friccionam contra esse pano de fundo.

A escaleta é explorada não apenas de forma melódica, mas como geradora de interferências tímbricas: uso articulações não convencionais, respirações audíveis e microvariações de pressão do ar para criar batimentos e rugosidades no som, sobretudo quando combinada com os sintetizadores microtonais. Em alguns trechos, a escaleta atua como “espelho” do saxofone, reproduzindo contornos melódicos com deslocamentos microtonais, criando bissetrizes harmônicas e combinações de espectros parciais que provocam efeito de beating.


A macroforma é dividida em blocos que alternam tempi contrastantes (𝅗𝅥 = 80, 60, 120, 150, 112…), mas esses andamentos não seguem lógica métrica tradicional; eles são moduladores de densidade temporal, controlando o espaçamento entre eventos e a sobreposição de camadas. A instrumentação é tratada de forma textural: no saxofone, emprego multifônicos, sforzandi e microglissandi; na escaleta, uso ataques com e sem língua, slaps de palheta e notas não afinadas plenamente para criar granulação tímbrica; no tam-tam, alterno entre let ring e abafamentos (damp on release), controlando a sustentação e a absorção harmônica.

O fraseado é modular, não linear. Trabalho com gestos sonoros em vez de frases temáticas: grupos rítmico-harmônicos que funcionam como unidades autônomas, conectados por silêncios, glissandi e articulações abruptas. Os microtons, longe de serem ornamentais, são estruturantes: eles criam zonas de instabilidade que redefinem a relação entre altura, timbre e função estrutural.


A relação entre orgânico e eletrônico é dialética. A escaleta e o saxofone fornecem irregularidade, respiração e inflexão, enquanto os sintetizadores estabilizam o campo sonoro com massas sustentadas ou pontilhadas. Aliás, há também um diálogo construído entre a série dodecafónica e o pantonalismo livre, o Sax e a escaleta utilizam a seguinte série dodecafónica:

Série Original: C - G# - A - F# - E - D - Bb - Ab - F - B - D#
Série retrógrada: D# - B - F - C# - Ab - Bb - D - E F# - A - G#  - C
Série inversa: C - Db - A - G - E - D# - F# - G# - C# - F - E# - D
Série retrógrada inversa: D - E# - F - C# - G# - F# - D# - E - G - A - Bb - C

Já o restante dos instrumentos (os dois sintetizadores) segue o pantonalismo livre. O tam-tam, por sua vez, é pensado como resonator global — um elemento que absorve e devolve energia harmônica, expandindo o espectro dos outros instrumentos.


Dedico esta obra ao compositor grego Iánnis Xenákis (1922 - 2001), mas não busco sua massa sonora impessoal; ao contrário, Spectra é construída como um diálogo contínuo entre timbres e alturas, no qual cada instrumento responde e provoca o outro. Ao interpretar a peça, não se percorre uma linha melódica tradicional, mas um território espectral, no qual cada detalhe — do centésimo de tom à escolha de baqueta — define o equilíbrio entre tensão e repouso.

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