Exortações para os Iniciados em música (I, §1), por Janilson Fialho

Primeira Parte

Sobre o estudo, a memória, o tempo e as demais formas da prática

§1 - Da Solidão Perfeita dos músicos

Há um livro de um filósofo brasileiro com um título muito instigante, se chama: Da Solidão Perfeita. O que seria esta solidão perfeita? Para responder essa questão, adianto que nagarei o trabalho de resenhar a obra do nosso filósofo, porque o meu interesse reside apenas no título, e é por esse título que irei abrir minhas exortações a ti, nobre estudante de música.

Fazendo um uso adaptado do verso do poeta de Sapé, te apresento a seguinte sentença: costuma-te a solidão que te espera! Um estudante de música deve, no início de seus estudos, dedicar-se a solidão. Fazer dela um estado — ou um momento — perfeito, afinal, ela fará parte de tua rotina, será uma entidade com a qual compartilharas a convivência.

É-nos dito, por alguns célebres filósofos, que a solidão é uma condição ontológica do ser humano, e que, por ser, ela desvela o terrível sentimento de angústia em nós. A solidão nos coloca diante de um portal que leva às profundezas da interioridade da alma. Lá, encontramos a chave que desvela o sentido do mundo, isto é, o porquê das coisas e as perguntas originárias que fazemos e para as quais não encontramos respostas. Para que o temor da solidão não seja apenas motivado pela angústia, ela também pode ser uma experiência de transcendência do ser.

Agora, indo de encontro ao que quero mostrar, digo que a solidão acompanha o estudante de música em suas horas de estudo, e essa solidão é a que chamarei de "solidão perfeita", e já adianto que ela só é encontrada na perfeita harmonia entre estudante e instrumento, quando o primeiro nutre um forte desejo pelo segundo. O que seria esse desejo? O desejo é, na verdade, a vontade de querer praticar constantemente. É sentir uma necessidade imperiosa de permanecer junto ao instrumento. No entanto, diante dessa afirmação, uma questão pode surgir: será isto uma apologia do isolamento? Afinal, se falei de procurar a solidão e também se falei de querer a companhia do instrumento musical, logo pode surgir o seguinte entendimento: "então, se quero ser um musicista, devo buscar o isolamento social e dedicar-me exclusivamente a meu instrumento". Mas, digo que não é isso.

É certo que, para ser um excelente musicista, devemos empregar bastante tempo ao instrumento. A dedicação a prática tem como resultado alcançar um desempenho positivo. Entretanto, o tempo dedicado ao instrumento é um tempo de solidão? Em outras palavras, a relação entre estudante e instrumento é solitária, visto que temos uma relação entre ser animado e objeto inanimado?

Digamos que a solidão que busco mostrar aqui se encaixa naquilo que é chamado de "solitude". A solidão e a solitude possuem significados distintos — deveis estar se perguntando por que preferi usar a palavra solidão ao invés de solitude, digo que minha escolha foi porque ela (solidão) é mais poética.

A solidão é o sentimento de se sentir sozinho, mesmo estando em uma multidão, já a solitude é o sentimento de estar só e conseguir aproveitar a própria companhia, ou seja, o indivíduo não se sente sozinho de fato. A solitude é uma escolha consciente e desejada, e não está associada ao sentimento de tristeza, alienação ou isolamento. Deste modo, para não restar mais dúvidas, o que é, afinal, a solidão? Ela não se resume, segundo a meditação de um grande filósofo francês do século XVI, a estar simplesmente sozinho, sem a companhia de outrem ou de algo. Para esse ensaísta, a solidão consiste em estar por si mesmo no mundo, vivendo de forma a conhecer por si mesmo suas experiências de vida, conferindo-lhes um sentido peculiar; é a solidão que permite a atenção ao particular e a vivência da vida com dedicação a extrair dela algo que seja integralmente seu.

Nesse sentido, a solidão consiste simultaneamente no trabalho e no estado de ser de estar por si no mundo. Alcança-se essa faculdade de ser, ou melhor, experimenta-se essa aptidão, a partir da atitude particular e intelectual de insubordinação à regência das normas da vida coletiva ou das influências populares — entenda-se: das influências, não das pessoas —, costumes e hábitos comuns a todos, e, por fim, da influência das ocupações públicas sobre a vida particular.

Todavia, trazendo isso a música, podemos dizer que a solidão da prática musical pode ser vista como uma forma de "solidão criativa" ou "solidão desenvolvedora". Essa solidão permite uma maior conexão com si mesmo, com a música e com a própria individualidade. Ao se dedicar à prática musical, o indivíduo pode explorar sua própria interioridade, expressar sua individualidade e desenvolver habilidades e conhecimentos, contribuindo para um maior desenvolvimento pessoal.

Além disso, o musicista não está sozinho em suas horas de estudo, porque sua "solidão voluntária" — podemos usar esse sinônimo também — é passageira, e também por diversos outros motivos sua solidão é suportável. Primeiramente, porque sua solidão dura apenas o momento da prática diária; em seguida, porque o musicista, em sua solidão, encontra-se no meio de uma atividade que deixa sua mente ocupada, portanto, não permitindo haver espaço para pensamentos angustiantes sobre a existência; finalmente, porque o musicista pode sentir-se conectado a uma comunidade maior de músicos e apreciadores de música, mesmo que esteja praticando sozinho.

Por exemplo, um violinista pode se sentir conectado a Johann Sebastian Bach, enquanto estuda suas partitas para violino solo. Um pianista pode se sentir conectado a Frédéric Chopin, enquanto interpreta suas mazurcas. Um violonista pode se sentir conectado ou presente na escola de violão de Francisco Tárrega, ao estudar alguma de suas peças. Essa conexão com a tradição musical e com os grandes compositores pode tornar a solidão do musicista mais suportável e até mesmo enriquecedora.

Portanto, caros estudantes de música, não temam a solidão que acompanha a prática diária. Em vez disso, abracem-na como uma oportunidade para se conectar com a música, com os grandes compositores e com sua própria individualidade. Lembrem-se de que a solidão é perfeita por ser um passo necessário para o crescimento e o seu desenvolvimento como músico. Não permitam que a solidão os desanime; em vez disso, usem-na como um trampolim para alcançar novas alturas em sua jornada musical.

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