A PRESENÇA FEMININA NA MÚSICA CLÁSSICA: TRAJETÓRIA HISTÓRICA, DESIGUALDADES E CONTRIBUIÇÕES ARTÍSTICAS - §3
Por Janilson Ferreira Fialho Filho
RESUMO
3. PROBLEMA HISTÓRICO NO BRASIL
No Brasil, a exclusão feminina na música clássica seguiu a mesma lógica estrutural observada em outros contextos, marcada pela combinação de preconceitos de gênero, hierarquias institucionais e desigualdades sociais amplas. Ainda no século XIX, Chiquinha Gonzaga rompeu barreiras como pianista, compositora e regente, abrindo caminho para gerações futuras. Sua trajetória, porém, esteve cercada de resistência social, sendo alvo de críticas e ataques por desafiar os padrões de comportamento impostos às mulheres de sua época (Ao Redor, 2025). A atuação de Gonzaga não se limitou ao palco ou ao piano: tratou-se de um ato de afirmação política e cultural, evidenciando que o espaço feminino na música erudita brasileira sempre foi conquistado por meio de enfrentamento direto às normas estabelecidas.
O século XX trouxe novas protagonistas para o cenário musical brasileiro. Eunice Katunda e Dinorá de Carvalho, além de atuarem como compositoras, tiveram papéis importantes na difusão da música erudita, com obras que desafiaram as estéticas dominantes e expandiram o repertório nacional. Na área educacional, Cacilda Borges Barbosa e Joanídia Sodré consolidaram práticas pedagógicas e contribuíram para a formação de gerações de músicos, deixando marcas profundas na vida cultural do país. Apesar dessas contribuições expressivas, o reconhecimento institucional não acompanhou a relevância dessas trajetórias, permanecendo muito aquém do que foi concedido a colegas homens (Orlandi, 2022). Essa assimetria na valorização artística perpetuou um cânone majoritariamente masculino, dificultando a integração de mulheres no espaço central das narrativas musicais brasileiras.
Os avanços observados nas últimas décadas não eliminaram as barreiras históricas. Embora haja maior presença de mulheres em instituições de ensino, festivais e grupos de câmara, as posições de liderança artística ainda permanecem majoritariamente ocupadas por homens. Orquestras brasileiras frequentemente apresentam ausência total de mulheres em cargos de regência ou direção artística (Cruz, 2022). Essa concentração de poder reforça a desigualdade de acesso aos espaços de decisão e mantém a produção musical feminina em um patamar de menor visibilidade e circulação. A disparidade não se limita ao prestígio ou ao protagonismo: ela também se traduz na distribuição desigual de recursos, oportunidades e reconhecimento crítico.
O panorama histórico brasileiro, portanto, confirma que a presença feminina na música erudita sempre existiu, mas raramente encontrou condições favoráveis para se consolidar em pé de igualdade. Entre conquistas e retrocessos, a narrativa é marcada por lutas individuais e coletivas para superar barreiras que, embora menos explícitas do que no passado, continuam estruturando o campo musical. Entender essas dinâmicas é fundamental para refletir sobre estratégias de transformação efetiva, que não apenas incluam mulheres nos espaços de poder, mas também redefinam as bases institucionais e culturais que sustentaram a exclusão. Essa reflexão prepara o terreno para a análise das iniciativas contemporâneas voltadas à superação dessa herança histórica, tema a ser abordado no próximo capítulo.
(Continua na próxima postagem)
REFERÊNCIAS
AO REDOR. A presença feminina na música erudita. In Ao Redor, [s.d.], 09 de abr. de 2024. Disponível em: https://www.aoredor.blog.br/post/a-presen%C3%A7a-feminina-na-m%C3%BAsica-erudita. Acesso em: 13 ago. 2025.
CONCERTO. Vinte e uma compositoras, da Idade Média até os nossos dias. In Concerto, 08 mar. 2021. Disponível em: https://www.concerto.com.br/noticias/musica-classica/vinte-e-uma-compositoras-da-idade-media-ate-os-nossos-dias. Acesso em: 13 ago. 2025.
CRUZ, Aline. Como as mulheres estão desconstruindo a dominação masculina na música erudita. In Revista Trip, 2022. Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/tpm/como-as-mulheres-estao-desconstruindo-a-dominacao-masculina-na-musica-erudita. Acesso em: 13 ago. 2025.
NATHANAILIDIS, Andressa. As mulheres na música clássica. In Terra da Música Blog, 2020. Disponível em: https://terradamusicablog.com.br/as-mulheres-na-musica-classica/. Acesso em: 13 ago. 2025.
ORLANDI, Ana Paula. Os impactos do desequilíbrio de gênero na música. In Revista Pesquisa Fapesp, 2022. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/os-impactos-do-desequilibrio-de-genero-na-musica/. Acesso em: 13 ago. 2025.
PREVIDELLI, Fábio. Maria Anna, a talentosa irmã de Mozart cuja carreira foi impedida pelos padrões controversos do século 18. In Revista Aventuras na História, [S.l.], 24 dez. 2020. Disponível em: https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/talentosa-irma-de-mozart-que-foi-esquecida-pelo-machismo-do-seculo-18.phtml. Acesso em: 15 ago. 2025.
SIFFERT, Carlos. Mulheres na música clássica. In Clássicos dos Clássicos, 2022. Disponível em: https://classicosdosclassicos.mus.br/mulheres-na-musica-classica/. Acesso em: 13 ago. 2025.
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