Pequeno Empreendedor e Burguês: A Vontade de Exploração como Único Elo

Por Janilson Fialho

Num sistema capitalista, marcado pela centralidade da propriedade privada dos meios de produção e pela lógica da exploração do trabalho, a figura do pequeno empreendedor muitas vezes se vê romantizada como símbolo de esforço individual e superação. Entretanto, essa imagem esconde uma verdade incômoda: a única semelhança entre o pequeno empreendedor e o grande burguês reside apenas na tentativa de ambos explorar o trabalho alheio. Ainda que a escala de acumulação de capital e poder econômico seja radicalmente distinta, a estrutura de dominação e a lógica de apropriação da mais-valia são idênticas em essência.

A exploração do trabalho, como denunciada por Karl Marx em O Capital, não é apenas um meio de produção de riqueza, mas uma estratégia de afirmação e manutenção da propriedade privada. Para que o capital exista e se reproduza, é necessário que haja uma força de trabalho subjugada, disposta a vender sua força vital em troca de um salário inferior ao valor real que gera. Nesse sentido, o pequeno empreendedor, embora economicamente distante do burguês monopolista, reproduz a lógica do capital: contrata alguém não porque tem recursos sobrando, mas porque precisa extrair valor excedente daquele corpo contratado para garantir a viabilidade de seu negócio.

Entretanto, o pequeno empreendedor enfrenta uma limitação central: não possui capital suficiente para garantir salários justos, direitos trabalhistas e segurança social a seus empregados. Segundo dados do SEBRAE (2023), mais de 60% das micro e pequenas empresas fecham antes de completarem cinco anos de atividade no Brasil. Essa fragilidade econômica empurra esses empreendedores a recorrerem a práticas precarizantes: pagamentos baixos, jornadas extenuantes, informalidade e ausência de direitos. Não porque sejam necessariamente “maus patrões”, mas porque a estrutura econômica os força a reproduzir, em menor escala, a lógica da exploração.

Em muitos casos, o pequeno empreendedor não emprega para gerar riqueza coletiva ou para distribuir renda, mas sim para sustentar sua identidade simbólica de "patrão", a qual está diretamente ligada à posse de um negócio, mesmo que ele seja financeiramente instável. A figura do patrão, mesmo que endividado, precarizado e atolado de dívidas bancárias, ainda assim busca afirmar-se como proprietário de uma parte do mundo, em contraste com o trabalhador assalariado que nada possui a não ser a sua força de trabalho.

A grande contradição, portanto, é essa: o pequeno empreendedor é economicamente explorado pelos grandes capitais (bancos, grandes redes, impostos regressivos), mas, ao mesmo tempo, tenta sobreviver explorando a mão de obra de trabalhadores ainda mais vulneráveis. Isso cria um ciclo vicioso no qual o pequeno capital se assemelha ao grande capital apenas por sua capacidade (ou desejo) de explorar, sem, no entanto, ter qualquer controle efetivo sobre os meios de produção em escala macroeconômica.

O grande burguês, por outro lado, não apenas detém os meios de produção, mas controla políticas públicas, define os rumos da economia, estabelece redes de lobby com o Estado e se beneficia de incentivos fiscais, leis trabalhistas flexíveis e taxas bancárias favoráveis. Ele não vive sob risco de falência a cada mês, nem precisa abrir mão de garantias básicas para manter o próprio negócio de pé. Ele domina, não sobrevive.

Assim, é necessário que os pequenos empreendedores encarem a realidade concreta de sua posição social: não são capitalistas plenos, mas intermediários fragilizados que tentam reproduzir um modelo de exploração sem os instrumentos reais de dominação econômica. A crença de que poderão um dia “chegar lá” é um mito ideológico poderoso que apenas reforça a adesão de setores precarizados à lógica do capital — uma lógica que inevitavelmente os consome.

A única saída ética, econômica e política para essa contradição é a superação da propriedade privada como fundamento das relações de produção. A propriedade coletiva dos meios de produção — defendida por correntes marxistas, socialistas e comunistas — é a única alternativa capaz de romper com a lógica da exploração estrutural. Sob um regime coletivo, ninguém precisaria explorar para sobreviver, e o trabalho humano poderia ser organizado com base nas necessidades comuns, e não no lucro privado.

Portanto, é preciso desmontar o mito do pequeno empreendedor como herói do capitalismo. Ele é, antes de tudo, um trabalhador travestido de patrão, prisioneiro de um sistema que o obriga a explorar para não ser explorado em grau ainda maior. A única semelhança com o burguês está, enfim, na vontade de se manter acima de alguém — mesmo que sobre escombros.

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