A Metafísica dos Preconceitos: O Essencialismo como Fundamento da Exclusão
Por Janilson Fialho
A linguagem é uma das ferramentas mais poderosas da humanidade. Com ela, não apenas descrevemos o mundo, mas também o construímos simbolicamente. Quando usamos a linguagem para estabelecer verdades universais sobre indivíduos ou grupos, entramos no domínio do que pode ser chamado de metafísica dos preconceitos. Esse conceito que apresentamos aqui é sobre uma forma de pensamento que atribui essências fixas a sujeitos históricos e contingentes. Tal mecanismo retórico é frequentemente usado para justificar desigualdades, discriminações e estigmas sociais, como ocorre no exemplo do machismo que afirma ser da “essência da mulher trair mais que o homem”. Esse exemplo será o mote de nossa discussão.
Esse tipo de formulação essencialista se baseia em uma lógica que busca encontrar, por trás da multiplicidade e da diferença, uma suposta natureza estável e imutável. Trata-se de uma herança de uma tradição metafísica que, desde Platão, busca distinguir entre o mundo das aparências – fluido, caótico, contraditório – e o mundo das essências – puro, fixo, eterno. Quando esse modelo é aplicado às identidades humanas, ele deixa de ser apenas uma especulação ontológica e passa a operar como instrumento de opressão.
Essa crítica à metafísica essencialista exige uma mudança epistemológica: deixar de buscar a essência oculta por trás dos fenômenos sociais e começar a interrogar as estruturas discursivas que os produzem. O preconceito, portanto, não deve ser tratado apenas como um erro moral ou uma falta de empatia, mas como uma operação ontológica e epistemológica que tem consequências políticas concretas.
Para desmontar essa metafísica dos preconceitos, é necessário adotar uma postura crítica em relação à linguagem e à construção dos sentidos. Isso implica reconhecer que nossas palavras não apenas refletem o mundo, mas também o moldam – e que, ao nomearmos o outro com termos essencialistas, estamos contribuindo para sua marginalização. A luta contra o preconceito, nesse sentido, é também uma luta contra os regimes de verdade que sustentam desigualdades e exclusões.
- Metafísica e Essencialismo
Em filosofia, a metafísica é o ramo que investiga a essência das coisas, aquilo que é em si mesmo e por si mesmo. Desde a Antiguidade, a metafísica buscou os princípios últimos da realidade, as estruturas fundamentais que sustentam o ser. No entanto, quando esse tipo de linguagem e pensamento é deslocado do domínio da ontologia para o campo das relações humanas e sociais — como, por exemplo, nos enunciados “o negro é preguiçoso”, “a mulher é falsa”, “o árabe é violento”, “o homem é naturalmente guerreiro” — temos aquilo que poderíamos chamar de uma metafísica vulgar. Ademais, trata-se de uma operação simbólica que congela a complexidade da existência em fórmulas universais e totalizantes, ou seja, reduzindo sujeitos cheios de possibilidades existenciais em essências fixas e intransigentes.
Essa transposição indevida da linguagem metafísica para o discurso social não apenas empobrece a compreensão da realidade, mas se converte num mecanismo de exclusão e opressão. Ao enunciar essências sobre grupos sociais, o essencialismo opera como uma ideologia que pretende naturalizar a desigualdade, transformando construções históricas em determinismos ontológicos. A diferença é transformada em inferioridade; a alteridade, em ameaça; e a pluralidade da existência humana, em categorias simplificadoras e hierarquizantes.
O filósofo alemão Martin Heidegger, em sua crítica à metafísica ocidental, já alertava para os perigos de uma tradição que esqueceu o “ser enquanto ser” e passou a pensar o ser a partir de entes fixos, previsíveis, manipuláveis. Esse esquecimento do ser, chamado por ele de Seinsvergessenheit, consiste na substituição do questionamento existencial pelo enquadramento técnico e categórico do real. Quando aplicamos essa lógica à condição humana, corremos o risco de apagar precisamente aquilo que define o humano: sua liberdade, sua contingência, sua abertura ao tempo e à história.
Dizer, por exemplo (e o exemplo que trago aqui é oriundo de uma discussão que presenciei há pouco tempo), que “a mulher é traiçoeira” não é apenas emitir uma opinião — é instaurar um regime de sentido, uma ontologia como fundamento do preconceito. É construir uma estrutura de linguagem que transforma juízos de valor, com frequência oriundos de relações de poder e dominação, em verdades aparentes, essencializadas. A linguagem, nesse contexto, não é um instrumento neutro, mas um campo de luta simbólica onde se travam batalhas pela definição do real e pela legitimação do status quo.
Foi precisamente contra esse tipo de essencialismo que Simone de Beauvoir ergueu sua crítica contundente ao longo de O Segundo Sexo. Ao afirmar que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, ela recusa a ideia de que há uma essência feminina anterior à experiência, ao corpo vivido, à cultura. Beauvoir denuncia a redução da mulher a um papel social historicamente imposto, disfarçado de natureza. A mulher, nesse esquema, é o “outro” em relação ao homem — este, considerado o neutro, o universal. A naturalização do papel feminino como inferior, emocional, maternal ou submisso serve para justificar uma estrutura de dominação histórica que se perpetua por meio da linguagem, da educação, da religião e da ciência.
Essa crítica ao essencialismo foi aprofundada mais adiante por Judith Butler, que compreende o gênero não como algo que “se é”, mas como algo que “se faz”. Em Problemas de Gênero, Butler argumenta que as identidades de gênero são construídas por meio de uma repetição performativa de normas culturais. A ideia de que o gênero é uma essência estável é, para ela, uma ilusão mantida por convenções reiteradas. Com isso, Butler desmonta o pressuposto de que existiriam papéis naturais e biologicamente determinados, mostrando que tais papéis são efeitos de regimes discursivos e, principalmente, relações de poder.
O essencialismo metafísico, portanto, age como um dispositivo político: ele define, fixa, controla e submete. Ao transformar a diferença em essência, ele legitima a exclusão, a marginalização e a violência simbólica. Como afirma Pierre Bourdieu, a violência simbólica ocorre precisamente quando os dominados internalizam as categorias impostas pelos dominadores como se fossem naturais. O preconceito essencialista se infiltra, assim, no tecido da linguagem cotidiana e passa a organizar nossa percepção do mundo de forma quase invisível.
Romper com essa metafísica da exclusão requer mais do que boas intenções: exige uma crítica radical à linguagem, às categorias conceituais herdadas e aos sistemas de pensamento que sustentam as hierarquias sociais. É preciso devolver à existência humana sua dimensão trágica e criativa, sua abertura ao devir, à mudança, à multiplicidade. Em vez de buscar o “que é” o ser humano, talvez seja mais fecundo perguntar “como” ele se constitui em sua singularidade e relação com os outros.
A superação do essencialismo metafísico, portanto, não significa abandonar a filosofia, mas aprofundá-la — reencontrar nela o seu impulso mais originário: o espanto diante da diferença, o questionamento da identidade, a recusa dos dogmas sociais. Como escreveu Nietzsche, “toda convicção é uma prisão” — e o essencialismo, ao aprisionar os sujeitos em categorias rígidas, é uma forma de violência contra o movimento livre da existência.
- O Particular como Universal: A Falácia da Generalização
A base de muitos preconceitos reside na falácia lógica da generalização apressada: tomar um caso particular, muitas vezes motivado por experiências pessoais, e convertê-lo em um princípio universal. Um homem, frustrado por ter sido traído por uma mulher, declara com convicção que “as mulheres traem mais”. Esse é um exemplo emblemático de como a vivência individual pode ser projetada como verdade ontológica, como se da dor pessoal se pudesse extrair uma lei universal do ser.
O erro filosófico aqui é profundo: parte-se da contingência para afirmar uma suposta essência. Em termos ontológicos, confunde-se o acidental com o necessário, o singular com o universal. Aristóteles nos fala em sua Metafísica que a essência é aquilo que “não pode ser de outro modo” — o que é por si mesmo e cuja identidade permanece mesmo em meio à mudança. A frase: "A mulher trae mais" pode ser analisada na seguinte lógica: o Sujeito (universalizante), sendo S = "A mulher" (sendo aquele universaliza o grupo plural, ou seja, que reduz a diversidade dos entes) → somado ao Predicado (essencializante): P = "trai mais" (que é uma totalidade abstrata: essência fixa) → sendo o comportamento contingente, ou ainda, tratado como traço essencial adicionado ao sujeito. Temos o seguinte esquema: S (universal) + P (essência atribuída) = “A mulher (S) é uma traidora (P) por natureza” → Juízo metafísico preconceituoso. Resumo: A frase universaliza o sujeito e essencializa o predicado, fixando um estereótipo como se fosse uma verdade ontológica.
Portanto, ao dizer que “a mulher é infiel”, atribui-se a todas as mulheres uma propriedade que, se refutada por um único contraexemplo, já não pode mais ser considerada essencial ou verdadeira. Se uma mulher fiel existe — e certamente existem muitas — a universalidade da afirmação se desfaz.
A crítica a esse tipo de raciocínio pode ser reforçada com o pensamento do filósofo David Hume, que, ao examinar o problema da indução, advertiu que não há fundamento racional para justificar inferências universais a partir de casos particulares. Em Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume afirma que nossas inferências baseadas na experiência se sustentam apenas no hábito ou costume, e não em uma garantia lógica: “Nada nos assegura que o futuro se parecerá com o passado, a não ser a expectativa produzida pelo hábito.” Assim, dizer que “todas as mulheres traem” porque algumas o fizeram é uma extrapolação injustificável — um ato de fé disfarçado de raciocínio.
Esse tipo de essencialismo cotidiano, embora logicamente insustentável, tem efeitos concretos na realidade social. Ele constitui o que se pode chamar de uma metafísica performativa: ainda que falsificável, ela produz consequências reais. A repetição de tais discursos cria uma atmosfera de desconfiança, reforça estigmas e institui uma linguagem que legitima comportamentos discriminatórios. A linguagem, nesse caso, não apenas reflete crenças, mas as institui como normativas, moldando subjetividades e regulando condutas.
A generalização essencialista é, portanto, menos um erro de lógica do que um mecanismo de dominação simbólica. Quando se transforma uma frustração pessoal em essência alheia, o outro deixa de ser um sujeito singular para tornar-se uma categoria, um estereótipo. Desse modo, em vez de lidar com a dor de forma ética e reflexiva, projeta-se essa dor sobre um grupo inteiro, naturalizando a desigualdade e impedindo o reconhecimento da alteridade.
Superar essa lógica exige uma desnaturalização ativa do discurso cotidiano. É necessário romper com os automatismos mentais que transformam experiências subjetivas em verdades universais, e resgatar a complexidade da existência humana em sua multiplicidade e contradição. Ao invés de fixar o outro em uma essência imutável, devemos assumir o risco do encontro com a diferença — esse outro que escapa a toda definição e que, por isso mesmo, nos convoca a repensar nossas certezas mais arraigadas.
- A Ideologia por Trás da Metafísica
Como observa o filósofo Pierre Bourdieu, a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas um instrumento de poder simbólico. Quando um grupo dominante impõe sua visão de mundo como verdade universal, exerce o que o autor chama de violência simbólica — um tipo de dominação que opera de forma invisível, disfarçada de neutralidade ou senso comum. O discurso machista que afirma, por exemplo, que “a mulher trai mais” não apenas carece de fundamento empírico, mas cumpre uma função ideológica: a de perpetuar a estrutura patriarcal que naturaliza o homem como ativo, confiável e dominante, enquanto constrói a mulher como instável, suspeita e passível de vigilância.
Essa assimetria não é acidental; ela está enraizada em dispositivos morais e normativos que incidem diferentemente sobre os corpos e comportamentos de homens e mulheres. A mulher que transgride normas de fidelidade é comumente taxada de promíscua, enquanto o homem adúltero muitas vezes é perdoado, relativizado ou até mesmo exaltado como viril. Como destaca a autora Teresa de Lauretis, especialista em estudos sobre o feminismo, as tecnologias de gênero operam por meio de discursos que não apenas descrevem o sujeito, mas o produzem — são discursos que moldam o que é concebido como “ser homem” ou “ser mulher”, sempre dentro de uma matriz de poder que regula e disciplina tais identidades.
Ao naturalizar comportamentos sociais e reduzi-los a essências metafísicas, esse tipo de discurso encobre as forças históricas e culturais que os produzem. Ele transforma o contingente em necessário, o construído em natural, reforçando preconceitos sob a aparência de sabedoria comum. Dessa forma, a ideologia opera silenciosamente, travestida de verdade.
- Examinando a História: Quem Trai Mais?
A seguir, abordamos outro aspecto da frase em questão: a comparação entre homens e mulheres. A discussão rapidamente se desviou para a polêmica sobre “quem trai mais”, revelando um padrão comum em debates cotidianos — o predomínio de opiniões baseadas em experiências pessoais e casos isolados. A argumentação apresentada pelos participantes se apoiava quase exclusivamente em exemplos de “conhecimento de causa”, como histórias de amigos, familiares ou vivências próprias. Faltava qualquer fundamentação teórica, metodológica ou estatística que pudesse conferir maior rigor ou validade à discussão. Em outras palavras, ninguém recorria a fontes confiáveis para sustentar suas afirmações.
A sociologia e a história social oferecem elementos cruciais para desmontar os mitos de natureza essencialista que sustentam o discurso machista. Um deles é a crença amplamente difundida de que as mulheres seriam, por natureza, mais propensas à traição ou menos confiáveis emocionalmente. No entanto, os estudos sobre comportamento sexual ao longo da história demonstram justamente o oposto: a infidelidade masculina sempre foi mais frequente, sobretudo por conta de condições estruturais que favoreceram os homens — mais liberdade, maior autonomia econômica, e menor penalização moral e social.
Segundo o sociólogo Anthony Giddens, as relações íntimas nas sociedades modernas passaram por transformações significativas, com o surgimento do que ele chama de “relacionamento puro”, baseado na comunicação e na igualdade entre os parceiros. Porém, esse ideal moderno de igualdade afetiva ainda esbarra em estruturas tradicionais, onde o controle do corpo e da sexualidade feminina continua sendo um eixo central de poder. Ao longo da história ocidental, a honra masculina foi frequentemente vinculada ao controle da sexualidade das mulheres, enquanto os homens sempre desfrutaram de maior permissividade. Como destaca Michel Foucault, os discursos sobre a sexualidade nunca foram neutros: eles operam como tecnologias de poder que regulam, classificam e hierarquizam os corpos e os desejos.
Durante os séculos XIX e XX, diversos códigos civis europeus e latino-americanos incorporaram essa lógica desigual. Na maior parte do século passado, por exemplo, o adultério feminino era criminalizado em muitos países, enquanto o masculino era relativizado como uma infração menor, quando não totalmente desconsiderado. No Brasil, até 2005, o chamado “crime de adultério” ainda estava previsto no Código Penal, sendo aplicado quase exclusivamente às mulheres, num reflexo direto da moral patriarcal herdada do período colonial e da lógica patriarcal romana.
Essa discrepância histórica é documentada por historiadores como Mary Del Priore, que mostra como, no Brasil imperial e republicano, a sexualidade das mulheres era regulada por dispositivos legais, religiosos e familiares que não se aplicavam com a mesma severidade aos homens. A mulher adúltera era vista como uma ameaça à ordem familiar e à honra masculina, enquanto o homem infiel era frequentemente tolerado ou justificado em nome de uma suposta natureza viril.
Embora as pesquisas mais recentes, como as de Debora Diniz e Ilana Löwy, apontem para uma crescente equiparação nos índices de infidelidade entre os gêneros, especialmente nas grandes cidades e entre as classes médias urbanas, o julgamento moral continua a recair desproporcionalmente sobre as mulheres. A liberdade sexual conquistada nas últimas décadas ainda não se traduziu plenamente em igualdade simbólica ou moral. A mulher que trai é muitas vezes descrita como promíscua, desequilibrada ou egoísta, enquanto o homem adúltero pode ser retratado como sedutor, inconsequente ou até mesmo “vítima” de suas pulsões.
Essa assimetria não está fundada em nenhuma base biológica ou essência metafísica dos sujeitos, mas sim na moral patriarcal que atravessa a história, moldando normas, comportamentos e percepções. Como demonstram as ciências sociais, é preciso historicizar os discursos sobre fidelidade, desejo e culpa para desnaturalizar os preconceitos que ainda operam sob a aparência de evidência.
- Outros Exemplos da Metafísica dos Preconceitos
A lógica essencialista — isto é, a tendência de atribuir a determinados grupos características fixas, naturais e imutáveis — está na raiz de muitos preconceitos ainda vigentes. Trata-se de uma forma de pensamento que ignora a historicidade, desconsidera os contextos sociais e apaga a complexidade das experiências humanas. Em vez de reconhecer os sujeitos como produtos de relações históricas e estruturas de poder, o essencialismo reduz identidades a essências arbitrárias, muitas vezes usadas para justificar exclusões e hierarquias.
Essa lógica se manifesta de forma recorrente em frases como:
• “O negro é violento”: uma afirmação que apaga séculos de escravidão, exclusão social, racismo institucional e criminalização sistemática da população negra, especialmente nas periferias urbanas. Como mostram os estudos de Achille Mbembe, essa visão é parte de uma necropolítica que transforma corpos racializados em alvos legítimos da violência estatal.
• “O indígena é preguiçoso”: um estereótipo colonial que ignora a destruição de formas autônomas de organização econômica e cultural dos povos originários, substituídas à força por modelos produtivistas e expropriadores. Autores como Manuela Carneiro da Cunha demonstram como esse discurso serviu para legitimar o apagamento e a subjugação dos povos indígenas ao longo da história brasileira.
• “O pobre é pobre porque não se esforça”: uma visão meritocrática que invisibiliza as desigualdades estruturais de acesso à educação, saúde, trabalho e mobilidade social. A sociologia crítica de autores como Jessé Souza mostra como esse discurso transfere a responsabilidade social da pobreza para o indivíduo, perpetuando a culpabilização das vítimas.
• “O homossexual é promíscuo”: uma generalização que reduz uma orientação sexual a um comportamento moralmente condenado, ignorando o impacto do estigma social, da repressão histórica e da exclusão afetiva vivenciada por populações LGBTQIA+. Conforme aponta Richard Miskolci, tais discursos constroem uma imagem patologizante da sexualidade dissidente, reforçando dispositivos de controle normativo.
• “O estrangeiro é uma ameaça”: expressão típica da retórica xenofóbica, que transforma o outro em inimigo, muitas vezes utilizando o medo como mecanismo de coesão nacionalista. Tal representação, segundo Zygmunt Bauman, surge de uma ansiedade identitária que projeta no imigrante o caos que se quer evitar internamente.
O que une todas essas formulações é a operação metafísica que transforma o contingente em necessário, o relativo em absoluto, o histórico em eterno. Ao fazer isso, essas afirmações mascaram relações de poder sob a aparência de verdades naturais. São estratégias discursivas que congelam os sujeitos em categorias fixas, impedindo a compreensão crítica dos processos que os constituem.
Esses exemplos não esgotam a lógica da metafísica dos preconceitos, mas indicam um campo vasto de discursos que, sob o véu da obviedade, produzem e reproduzem exclusões. No que segue, aprofundaremos depois algumas dessas construções, buscando demonstrar como tais essências fabricadas operam ideologicamente e como podem ser desconstruídas a partir de uma análise crítica das condições históricas e sociais que lhes dão forma.
- Conclusão
A metafísica dos preconceitos é uma armadilha da linguagem que naturaliza a opressão. Ela transforma experiências individuais em verdades ontológicas e impede que vejamos o ser humano em sua pluralidade, liberdade e historicidade. É nosso dever, como sujeitos críticos, combater essa lógica pseudo-essencialista e extremamente moralista com rigor filosófico e histórico.
Se há algo de essencial na condição humana, talvez seja justamente a nossa (ou pelo menos daqueles que buscam se desprender dos preconceitos) nobre capacidade de reconhecer que não há uma essência fixada na aparência. O preconceito, por outro lado, é a tentativa desesperada de fixar o outro em uma essência que o aprisiona.
- Referências:
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