Laranja Fascista, Opus 64

Manifesto Político Musical

Por Janilson Fialho

“A arte que não fere está morta.”
— Eduardo Galeano

Há uma ditadura global assolando o mundo, mas ela não é da forma que os alienados da realidade — que acreditam em teorias conspiratórias — afirmam em seus delírios. Não há segredos ou mistérios, como também não há grupos ou famílias ocultas nessa ditadura. Tudo está desvelado. Essa ditadura esta aí as claras, visível ao mundo; ela é celebrada, glorificada, defendida como exemplo de liberdade e democracia. Essa ditadura dita a economia, a ideologia e a cultura global (pelo menos para mais da metade do mundo).

Me refiro aos EUA como sendo a ditadura global. Não importa quem assuma o poder desse lugar sempre será opressor ao mundo. Os dois partidos relevantes (Democratas e Republicanos) até podem encenar um teatro político ideológico, mas a finalidade do poder governamental será sempre a mesma, ou seja, o governo deste país continuará sendo imperialista e capitalista. Portanto, repito: não importa quem assuma, o oriente continuará sendo bombardeado e a América- Latina subjugada como inferior e passível de ser dominada. É essa a perspectiva predatória desse país.

Todavia, existe (e sempre existiu) dois tipos de autoritarismo reinando nos EUA. Esse autoritarismo está no "Soft Power" (armado) dos Democratas e no moralismo reacionário (abertamente fascista) dos Republicanos.

O primeiro, isto é, os Democratas, se mostram (principalmente hoje em dia) como moderados, liberais e polidos no discurso. Os Democratas tentam, através de um discurso cínico, não causar um mal estar moral dentro do próprio país. Porém, essa imagem "legal" interna se exterioriza para além das fronteiras como o puro terror imperialista. Esse lado da moeda é o que mais faz intervenções militares no mundo, o propósito disso é levar (impor) a sua "democracia" exemplar aos "subdesenvolvidos".

Por outro lado, o segundo grupo, os Republicanos, estão cada vez menos sem polidez, isto é, eles não tem mais a velha preocupação política de fingir simpatia, eles agora agem e se comunicam deixando transparecer toda a sua selvageria xenofóbica, classista, misógina e racista, além de não terem mais vergonha de expor o nível de sua estupidez. Temos nesse lado a sinceridade perversa que comunica diretamente os seus planos de poder e dominação autoritária.

A forma de governar do atual "presidente" Donald Trump apresenta semelhanças entre ele e os líderes fascistas do passado. Embora pareça impossível tomar Trump por um líder fascista clássico, principalmente em razão de contextos históricos muito diferentes, também é impossível desconsiderar o nexo entre suas estratégias políticas e o modus operandi de agitadores fascistas no século XX. Além disso, é inegável que sua política mobiliza elementos sociopsicológicos que remontam às análises da emergência do fascismo histórico, como a identificação com uma figura idealizada e transcendente, a submissão a uma autoridade ou causa superior e a agressividade direcionada às minorias e estrangeiros.

Sobre a música "Laranja Fascista"

Duração aproximada: 4 minutos

Escrita no dia 8 de janeiro de 2025, Laranja Fascista (Opus 64), é uma obra para piano solo que une radicalidade política e ousadia estética. Defino minha peça como "ambígua" — ambígua não por falta de direção, mas por habitar simultaneamente dois territórios intensos: o da crítica política extramusical e o da experimentação composicional moderna.

O título, assumidamente provocador, remete à poesia A Laranjeira Fascista (de minha autoria), e carrega em si o peso simbólico de uma denúncia: um gesto artístico contra discursos autoritários, que é reafirmado também por frases inseridas na partitura. Ao mesmo tempo, a peça é um laboratório sonoro de composição serial e atonal, refletindo o meu entusiasmo pela linguagem musical do século XX — especialmente o serialismo dodecafônico, o minimalismo estrutural e o pantonalismo livre.

Dividida em quatro movimentos — todos escritos em "Senza misura", ou seja, sem compassos ou fórmulas métricas — a obra rejeita a organização temporal tradicional, libertando o tempo musical em prol da expressividade bruta. Os três primeiros movimentos exploram variações sobre séries dodecafônicas (com abordagens que vão do serialismo integral ao minimalismo), enquanto o último abandona a série em favor de um atonalismo espontâneo e visceral.

Entre os recursos técnicos empregados, destaca-se o uso extensivo de clusters, acordes formados por grupos de teclas vizinhas (pretas ou brancas) que são pressionadas com a palma da mão, o punho ou o antebraço. O resultado é um som percussivo, dissonante, áspero — próximo do ruído — que transforma o piano em um "instrumento de denúncia".

Fugindo completamente da harmonia funcional, da forma clássica e da linearidade melódica, a obra é marcada pela tensão constante entre o caos e o silêncio. Sua estrutura em blocos contrastantes cria um percurso dramático fragmentado, em que cada ataque sonoro, cada pausa abrupta, cada gesto agressivo, parece interrogar o ouvinte: de que lado da história você está?

Inspirada por compositores como Luigi Nono, Helmut Lachenmann e Frederic Rzewski, Laranja Fascista propõe uma estética do confronto: não é música para agradar, mas para incomodar e instigar o ouvinte. O piano deixa de ser apenas veículo de beleza; torna-se corpo de combate, espaço de tensão, campo de disputa.

Essa peça não busca encantar — busca lembrar. Lembrar que a arte, quando comprometida com a liberdade e com a verdade, precisa também ser incômoda, barulhenta, desconfortável. É essa inquietação — política, estética, ética — que eu busco inscrever nas teclas, nas pausas e nos gritos silenciosos dessa obra que não se curva.

Aspectos Gerais da Estrutura Peça

A obra não segue formas clássicas (como a seccionada "A-B-A", sonata ou rondó), mas apresenta uma estrutura narrativa fragmentada e discursiva, que se desenvolve em blocos com contrastes abruptos. Destaco algumas características da peça:

1. Técnica Pianística

A peça exige recursos de alto nível, característicos da música contemporânea:

• Clusters com o punho ou antebraço, indicando ataque bruto e percussivo;

• Mudanças súbitas de registro, exigindo agilidade e controle corporal;

• Uso estendido do pedal para criar borramentos e ressonâncias tensionadas;

• Possível exploração de técnicas expandidas, como tocar as cordas do piano.

Não há foco em virtuosismo tradicional (escala rápida, arpejos líricos), mas em virtuosismo expressivo.

2. Harmonia e Linguagem

• Total ausência de tonalidade funcional: nenhuma referência a dominante/tônica;

• Uso de dissonâncias deliberadas como intervalo estrutural;

• Harmonia construída a partir de gestos, timbres e texturas — não de acordes convencionais;

• Presença de modos sintéticos ou escalas artificiais;

Essa linguagem aponta para uma destruição deliberada da estabilidade tonal, como metáfora da destruição do discurso autoritário ou totalitário.

3. Ritmo e Tempo

• Rítmica instável, com uso de rubato expressivo extremo e pausas dramáticas;

• Rejeição da métrica regular: tempo subjetivo, afetivo e tenso;

• Alternância entre:

• Acelerações abruptas (surpresa/violência);

• Estase e suspensão (espera, tensão não resolvida).

A fluidez do tempo reforça o caráter narrativo, quase teatral da peça.

Sobre cada movimento da peça

Primeiro movimento

O primeiro movimento da peça é o "Ad Libitum" (expressão latina que significa "à vontade"), isto é, um movimento cujo andamento segue a liberdade do intérprete, onde ele pode imperar segundo sua vontade acerca da velocidade que tocará; mas, ainda assim, deixei algumas indicações de andamento para o intérprete. O hábito de sempre querer controlar minha obra não me permitiu conceber a graça da liberdade plenamente ao intérprete.



O serialismo dodecafônico que adotamos aqui poderia ter uma matriz estendida, mas opitei pelo tradicional número de séries mais usado, isto é, as quatro principais séries (a original, a retrógrada, a invertida e a retrógrada invertida). Essa foi as quatro séries que escolhi:

1ª série - original: C - D# - A# - C - G# - Eb - F - E - D - C# - Bb - G
2ª série - retrógrada: G - Bb - C# - D - E - F - Eb - G# - C - A# - D# - C
3ª série - invertida: B - G# - C# - A - D# - Fb - E - F - G - A# - Bb - D
4ª série - retrógrada invertida: D - Bb - A# - G - F - E - Fb - A - C# - G# - B

Segundo movimento

O segundo movimento se chama "Adagio Trágico", porque nele resolvi criar um ritmo mais estático, com notas seguindo um "ostinato", para capturar uma atmosfera mais sombria e etérea.  Antes de iniciar esse movimento recomendo, na verdade exijo, que deve-se declamar o poema "A Laranjeira Fascista" (de minha autoria):

A laranjeira fascista

Tem nela saudação nazista

A laranjeira fascista

Tem nela geopolítica colonialista

A laranjeira fascista

Tem nela posição racista

A laranjeira fascista 

Tem nela ideologia eugenista

A laranjeira fascista

Tem nela política imperialista

A laranjeira fascista

Tem nela discurso conspiracionista 

A laranjeira fascista

Tem nela patriarcado machista

A laranjeira fascista

Tem nela sociedade classista

A laranjeira fascista

Tem nela dogmatismo fundamentalista

Cabe dizer que a melodia não possui tantas variações, ela segue um curso natural tanto ascendente quanto descendente. Esse movimento segue duas escalas de cinco notas no modo Messiaen:

1 série: D# - Eb - G# - A - Bb - D
2 série: Eb - G - G# - A - C# - D



Próximo ao fim desse movimento todas as notas do arpejo começam a descer meio tom até serem cortadas por cluster abrupto.

Terceiro movimento

O terceiro movimento (Allegretto) tem a série integral, portanto, temos mais elementos aqui. Começo por destacar a série que usei, e foram apenas duas:

1 série - original: Eb - C# - E - A# - F# - D# - G# - F - C - Bb - A - E#
2 série - retrrógrada: E# - A - Bb - C - F - G# - D# - F# - A# - E - C# - Eb

Além da séries de notas, usamos aqui também duas series que controlam os ataques e a intensidade:

Ataques: 1. acento - 2. stress - 3. staccato - 4. tenuto - 5. legato - 6. acento com stress - 7. acento staccato - 8. acento tenuto - 9. acento sf - 10. marcato 
Intensidade: 1. pp - 2. p - 3. mf - 4. f - 5. ff - 6. fff


Devo dizer que usei outros sinais de expressão que não constam nessa série. Também destaco que há uma passagem onde se deve tocar as cordas do piano com os dedos.

Quarto movimento

Por fim, temos o quarto movimento seguindo o atonalismo livre. Aqui exploro o uso do crescendo e o diminuendo na dinâmica. Além disso, reaproveitei uma célula melódica do terceiro movimento para construir a base harmônica desse movimento.



Essas são minhas breves palavras sobre minha nova composição, eu não pretendo me estender mais sobre ela porque isso é tarefa da crítica e não do compositor.

Abaixo está o vídeo da minha peça:



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ABAIXO AO FASCISMO!

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