Curso de Extensão em Música: Leitura e discussão do livro “Como Ouvir e Entender Música”, de Aaron Copland (Fichamento/Resumo)
CASA DE WELLINGTON FARIAS
(Ponto de Cultura Roberto Luna e Escola de Música Genaldo Cunha Lins)
Curso de Extensão em Música: Leitura e discussão do livro “Como Ouvir e Entender Música”, de Aaron Copland
Prof. Janilson Fialho
Fichamento/Resumo - aula do dia 14/09/2024 (aula magna do curso)
Sobre a obra:
Como ouvir (e entender) música foi extraído de uma série de 15 conferências feitas pelo autor na New School for Social Research, Nova Iorque, durante os invernos de 1936 e 1937. As conferências destinavam-se ao leigo e ao estudante de música, e não a músicos profissionais — e esta é a limitação dos horizontes deste livro.
Ideia central:
O autor pretende conduzir o ouvinte a uma audição inteligente, na qual ela deixe de ser um elemento passivo para tornar-se ativa, além de estabelecer um diálogo com a música.
1. Prefácio
1.1. Objetivo: o autor busca estabelecer da maneira mais clara possível os fundamentos de uma apreciação inteligente da música.
1.2. Proposta do autor
“[...] O trabalho de ‘explicar’ música não é fácil, e não posso me orgulhar de ter sido mais bem sucedido do que os outros. Mas a maioria das pessoas que escrevem sobre música abordam o problema do ponto de vista do professor ou do crítico de música. Este é um livro escrito por um compositor.
Para um compositor, ouvir música é um processo perfeitamente natural e simples (e isso é o que deveria acontecer também com os outros). Se há alguma explicação a ser dada, o compositor raciocina logo que, já que ele sabe o que se deve colocar em uma peça de música, ele deve saber melhor do que ninguém o que o ouvinte deve extrair dali.” (COPLAND, 1974, p. 5).
1.3. Como o compositor pretende abordar o problema?
Copland diz que seu livro é um esforço para saber duas coisas muito importantes das pessoas que se consideram realmente amantes da música: 1ª) “Você está ouvindo tudo o que está acontecendo?”; 2ª) “Você está sendo realmente sensível a isto?”; ou colocado de outro modo: 1ª) “Você está perdendo alguma coisa no que se refere propriamente às notas musicais?”; 2ª) “A sua reação é confusa, ou você tem realmente idéia de qual seja a sua resposta emocional?”.
Deste modo, Copland nos apresenta essas questões e nos diz que elas são as mesmas que o compositor impõe a si mesmo, com mais ou menos consciência, sempre que é colocado diante de música desconhecida, seja ela velha ou nova; e, entretanto, a principal diferença entre ele e o ouvinte comum diante das questões é que ele — o compositor — está mais bem preparado para ouvir.
Portanto, a ideia deste livro é preparar para ouvir, mas ele também não busca incentivar a escuta por uma via limitada: “Nenhum compositor digno deste nome se daria por satisfeito em preparar você só para ouvir a música do passado. É por isso que tentei aplicar todas as lições deste livro não apenas às obras de arte reconhecidas como tal, mas também à música de compositores vivos. Tenho observado muitas vezes que a marca de um verdadeiro amante da música é o desejo irresistível de se familiarizar com todas as manifestações da arte, antigas e modernas. Quem gosta realmente de música não quer confinar a sua satisfação musical ao período ultra-explorado dos três B. Por outro lado, o ouvinte pode achar que já fez muito se atingiu um entendimento melhor dos clássicos consagrados. Acredito, no entanto, que o ‘problema’ de ouvir uma fuga de Händel é essencialmente igual ao de ouvir uma obra semelhante de Hindemith. Há um paralelismo definitivo de composição que seria tolo ignorar, deixando-se totalmente de lado a questão do mérito relativo.” (COPLAND, 1974, p. 6).
1.4. Proposta de abordagem do autor
O autor sabe que tratar de música, seja ela velha ou nova, é também — Infelizmente — explicar questões técnicas. No entanto, ele propõe reduzir a teoria ao mínimo possível. Copland diz o seguinte: “Sempre me pareceu mais importante que o ouvinte se sensibilizasse com a nota musical antes de saber o número de vibrações que produziram essa nota.” (COPLAND, 1974, P. Idem). O compositor deseja encorajar o ouvinte a se tornar, na medida do possível, consciente e desperto ao que ouve.
1.5. Um livro para leigos e estudantes
Embora o livro tenha sido escrito basicamente para os leigos, é minha esperança que o estudante de música também possa obter alguma coisa dele. Nos seus giros fascinados em torno da peça que estão estudando no momento, os estudantes de conservatório tendem a perder de vista a arte da música como um todo. Este livro pode servir, especialmente nos capítulos finais sobre as formas básicas, para cristalizar os conhecimentos gerais desses estudantes.
2. Preliminares
2.1. O ponto comum em todos os livros sobre música
Segundo Copland, esse é o ponto de concordância da maioria dos livros de música: “você não pode obter uma melhor apreciação dessa arte simplesmente lendo um livro sobre ela. Se você quiser entender música melhor, não há coisa mais importante a fazer do que ouvir música. Não há nada que possa substituir esse hábito.” (COPLAND, 1974, p. 8).
2.2. Nada pode substituir a escuta
O compositor diz que o livro refere-se apenas a uma experiência que você só encontra fora dele: “Você perderá tempo, provavelmente, ao lê-lo, se não tomar a resolução de ouvir mais música do que ouvira anteriormente. Todos nós, profissionais e não profissionais, estamos sempre tentando aprofundar o nosso conhecimento da música. Ler um livro às vezes ajuda. Mas nada pode substituir a experiência direta da música.” (COPLAND, 1974, p. 8).
2.3. O autor não tem interesse em expor sua proposta do que é “ouvir música” para esse tipo de perfil
“Estamos sempre ouvindo histórias sobre pessoas que ‘são tão musicais que podem ir ao cinema e depois tocar no piano todas as melodias do filme’. O fato em si indica uma certa musicalidade, mas não necessariamente o tipo de sensibilidade à música que nos interessa aqui. O animador de auditório que imita um ator ainda não é um ator, e quem faz mímica musical não é obrigatoriamente dono de uma musicalidade profunda. Outro atributo que é sempre exibido quando se trata de provar musicalidade é o do ouvido absoluto. Ser capaz de reconhecer a nota lá quando você a ouve pode ser útil em alguns casos, mas certamente não basta para provar, por si mesmo, que você é uma pessoa musical. O ouvido absoluto indica apenas uma musicalidade de superfície que tem pouca significação diante do verdadeiro entendimento da música que nos interessa aqui.” (COPLAND, 1974, p. 8-9).
2.4. Requisito mínimo para o ouvinte potencialmente inteligente
Segundo Copland, o ouvinte deve ser capaz de reconhecer uma melodia ao ouvi-la. Ele ainda diz que, se há o que se chama surdez musical, ela então significa “ser incapaz de reconhecer uma melodia”. Nessa condição, infelizmente, essa pessoa não pode ser ajudada. Todavia, se você acha que pode reconhecer uma determinada melodia — e ser capaz de reconhecer não significa aqui não cantar a melodia de ouvido, ou seja, o reconhecimento preciso nota por nota, mas reconhecer a melodia quando é tocada, mesmo após um intervalo de alguns minutos, e depois que melodias diferentes também foram tocadas —, então já tem a chave da apreciação musical.
Não basta ouvir música em relação aos momentos diferentes de que ela é composta. Você deve ser capaz de relacionar o que está ouvindo em um determinado momento com o que aconteceu antes e com o que está para vir. Em outras palavras, a música é uma arte que se desenrola no tempo, ela é sequencial, e nesse sentido, ela se fixa mais facilmente na memória, porque sempre se pode voltar atrás e refrescar a memória.
2.5. Sobre a arte como arte abstrata e o papel da memória
“Os ‘acontecimentos’ musicais têm uma natureza mais abstrata, de modo que o ato de reuni-los novamente na imaginação não é tão fácil como na leitura de um romance. É por isso que você deve ser capaz de reconhecer uma melodia. Pois a coisa que ocupa, na música, o lugar da história é, geralmente, a melodia. A melodia, via de regra, é o significado da peça. Se você não pode reconhecer a melodia na sua primeira aparição, e seguir as suas peregrinações e a sua metamorfose final, acho difícil que você possa acompanhar o desenvolvimento de uma obra. Você estará tendo uma consciência muito vaga da música. Mas reconhecer a melodia significa que você sabe onde está, em termos musicais, e tem uma boa chance de saber para onde está indo. Este é o único ‘sine qua non’ para uma compreensão mais inteligente da música.” (Idem).
3. Como você ouve
3.1 Sobre como devemos ouvir
É certo que ouvir música está de acordo com nossas aptidões variáveis. No entanto, para utilidade da análise, o processo completo da audição pode se tornar mais claro se desagregar suas partes componentes.
3.2. O três planos distintos de como ouvimos música.
1 - Plano sensível: é o plano em que nós ouvimos música sem pensar, sem tomar muita consciência disso, portanto, é a maneira mais simples de ouvir música, porque nos entregamos totalmente ao prazer do som, mas que não é menos atraente por ser desprovido de idéias.
2 - plano expressivo: a música tem o seu poder expressivo, algumas mais e outras menos, mas todas têm um certo significado escondido por trás das notas, e esse significado constitui, afinal, o que uma determinada peça está dizendo, ou o que ela pretende dizer. Portanto, a música tem um significado expressivo, mas não há palavras para dizer que significado é esse, ou ainda, podemos dizer que ele é subjetivo.
3 - plano puramente musical: esse plano diz respeito a música existindo no plano das próprias notas e da sua manipulação. Neste plano, a maioria dos ouvintes — os leigos — não têm muita consciência disso. Por outro lado, o músico profissional costuma sofrer do defeito contrário, dando uma excessiva atenção às notas. Ele acaba ficando obcecado pelos seus arpeggios e staccatos, ele perde de vista muitas vezes a dimensão profunda do que está executando. Este plano, portanto, exige que o ouvinte interessado em obter uma escuta ativa deva estar preparado para aumentar a sua percepção do material musical e do que acontece a ele. Deve ouvir as melodias, os ritmos, as harmonias, o colorido tonal, de uma maneira mais consciente.
4. O processo criador na música
4.1. Sobre a “inspiração”.
“Um dos mistérios da composição, para muita gente, é o problema da inspiração. O leigo tem dificuldade em entender por que é que os compositores não se preocupam tanto com isso quanto ele imaginava, e acha difícil acreditar que, para um compositor, o ato de compor seja algo de tão natural.
[...] compor, para um compositor, é semelhante a outras funções naturais, como comer ou dormir. É algo que o compositor, acidentalmente, encontrou dentro de si desde o momento em que nasceu; e por causa disso, a inspiração não tem, aos olhos do compositor, o caráter de uma virtude especial.
O compositor, portanto, colocado diante do problema da inspiração, não se pergunta a si mesmo:
‘Será que hoje eu estou inspirado?’ É mais provável que ele pergunte: ‘Estou com vontade de compor, hoje?’ E se está com vontade de compor, ele compõe.
É mais ou menos como você faz quando pergunta a si mesmo se está com sono; se a resposta é sim, você vai para a cama; se é não, fica acordado. Para o compositor, a coisa é igualmente simples; se não está com vontade de compor, não compõe.” (COPLAND, 1974, p. 16).
4.2. Sobre o compositor profissional
“O compositor profissional pode sentar-se diariamente à sua mesa e produzir algum tipo de música. Haverá dias em que ele se sentirá melhor do que em outros; mas o fato básico é a sua capacidade de compor. A inspiração, muitas vezes, não passa de um subproduto.” (Idem).
4.3. Sobre o preconceito contra quem compõe junto ao instrumento
“[...] escrever longe do piano, atualmente, não é coisa tão simples como nos dias de Mozart e Beethoven. Pois a harmonia, desde então, tornou-se incrivelmente mais complexa. Poucos compositores são capazes de escrever uma obra inteira sem recorrer uma só vez ao piano.” (p. 17).
4.4. Como é que o compositor dá início ao seu trabalho? Por onde é que ele começa?
“Todo compositor começa com uma idéia musical. Uma idéia musical, note bem, não uma idéia literária, filosófica ou simplesmente extramusical. De repente, um tema vem à sua cabeça (tema sendo usado aqui como sinônimo de idéia musical). O compositor começa com esse tema; e o tema é um presente dos céus. Ele não sabe de onde o tema veio — e não tem controle sobre o mesmo. É quase como a escrita automática. É por isso que o músico costuma ter um caderno de notas, para anotar os temas onde quer que eles surjam. Ele coleciona idéias musicais — e essa parte da composição é realmente obscura e misteriosa.
A idéia em si mesma pode vir sob várias formas. Pode vir como uma melodia — uma simples melodia que você poderia assobiar para si mesmo. Ou pode surgir como melodia apoiada em um acompanhamento.
Algumas vezes não se ouve nem mesmo uma melodia; concebe-se uma figura de acompanhamento que mais tarde, provavelmente, será enriquecida de uma melodia. Ou então, o tema pode surgir sob a forma de uma idéia rítmica; pensa-se em um tipo especial de batida, e isso já é suficiente para começar. Sobre essa batida, não tardam a aparecer a melodia e o seu acompanhamento. A concepção original, entretanto, era puramente rítmica. Um tipo diferente de compositor poderá começar, talvez, com um contraponto de duas ou três melodias, que ele ouve simultaneamente. Mas esse é um tipo menos comum de inspiração temática.” (idem).
5. O conhecimento sobre a significação emocional do tema.
Copland diz que se toda música tem valor expressivo, então cabe o compositor estar consciente do valor expressivo do tema. O compositor até pode ser incapaz de expressar verbalmente esse valor, mas ele é capaz de senti-lo. Afinal, ele sabe instintivamente se o tema é “alegre” ou “triste”, “nobre” ou “diabólico”. Algumas vezes, pode enganar-se quanto à sua verdadeira natureza; mas, cedo ou tarde, ele chegará a decidir por instinto qual deva ser a qualidade emocional do tema, porque é a partir dali que terá de trabalhar.
6. Quatro tipos diferentes de compositor
1⁰) Compositor de inspiração espontânea:
Neste primeiro tipo de compositor a música parece jorrar dele. Muitas vezes, ele não é capaz de anotar as idéias surgindo por conta da rapidez em que elas ocorrem. Esse tipo de compositor pode ser quase sempre identificado pela abundância da sua produção. O compositor Franz Schubert, por exemplo, escrevia uma canção por dia, e Hugo Wolf chegou a fazer o mesmo. No entanto, o compositor de inspiração espontânea tem as suas próprias limitações.
2⁰) Compositor construtivo:
Neste segundo tipo o compositor começa realmente a trabalhar a partir de um tema. O compositor construtivo usa, por exemplo, cadernos de notas em que serve para anotar seus temas. Desde os dias de Beethoven, esse tipo de compositor tem-se revelado o mais comum.
3⁰) Compositor tradicionalista:
Ele é o tipo de compositor que nasceu em um período especial da história da música, quando um determinado estilo musical estava a ponto de alcançar o seu maior desenvolvimento. Nessas épocas de apogeu, trata-se de criar música em um estilo conhecido e aceito, procurando fazê-lo de uma maneira que supere o que já se fizera antes. Compositores como Palestrina e Bach estão nesse caso, porque eles trataram apenas de melhorar o que já tinham encontrado.
4⁰) Compositor pioneiro:
Pode-se dizer que esse compositor encara a composição às avessas do tipo tradicionalista. Opõem-se claramente à solução convencional dos problemas musicais. Em mais de um aspecto, a atitude dele é experimental, porque esta sempre à caça de novas harmonias, novas sonoridades, novos princípios formais. O tipo pioneiro esteve em plena evidência na virada do século XVII e no início do século XX.
Referência:
COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender música. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.
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