A Estrutura das Revoluções Científicas segundo Thomas Kuhn
Por Janilson Fialho
O físico e filósofo da ciência, Thomas Kuhn (1922 - 1996), em sua grande obra A Estrutura das Revoluções Científicas (2013), propõe uma visão inovadora do desenvolvimento da ciência, rompendo com a ideia tradicional de progresso científico contínuo, linear e cumulativo. Para Kuhn, a ciência evolui por meio de mudanças de paradigma, em um processo descontínuo que envolve períodos de estabilidade — a ciência normal — interrompidos por crises e revoluções que alteram profundamente a forma como os cientistas compreendem o mundo.
O primeiro passo dessa estrutura é a ciência normal, que Kuhn define como a atividade rotineira dos cientistas inseridos em um paradigma consolidado. Nesse estágio, há um consenso tácito sobre os pressupostos teóricos, os métodos válidos, os tipos de problemas relevantes e as formas aceitáveis de solução. Assim, os cientistas ocupam-se em resolver o que Kuhn chama de “quebra-cabeças”, problemas específicos cujas soluções já são previstas ou esperadas dentro do modelo vigente. São atividades como a elaboração de teses, publicações acadêmicas, participação em congressos e pesquisas colaborativas, todas regidas por um mesmo conjunto de valores e objetivos. A ciência normal, portanto, é essencialmente conservadora e acumulativa, mantendo e refinando as tradições herdadas.
Entretanto, ao longo do tempo, começam a surgir anomalias — fenômenos que o paradigma dominante não consegue explicar satisfatoriamente. Inicialmente, essas anomalias são tratadas como falhas experimentais, erros metodológicos ou casos isolados. No entanto, à medida que se acumulam em diferentes contextos e laboratórios, tornam-se difíceis de ignorar, gerando crise na comunidade científica. Nesse momento, abrem-se fissuras na estrutura conceitual vigente e surgem ideias alternativas que, embora inicialmente marginais ou heterodoxas, ganham força ao propor explicações mais eficazes para os problemas mal resolvidos.
Esse cenário é o prenúncio da revolução científica, momento de ruptura e reestruturação do saber. Uma nova teoria, portadora de um paradigma alternativo, emerge com força suficiente para competir com o paradigma antigo. Quando esse novo paradigma demonstra maior capacidade de resolver os problemas, passa a ser aceito pela comunidade científica, substituindo o anterior e inaugurando uma nova fase de ciência normal. Segundo Kuhn,
“as teorias científicas mais recentes são melhores que as mais antigas no que toca à resolução de quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes aos quais são aplicadas” (KUHN, 2013, p. 212).
Contudo, essa mudança não implica necessariamente uma aproximação progressiva da “verdade” ou da realidade última da natureza. Kuhn argumenta que, embora teorias posteriores sejam melhores instrumentos para resolver problemas científicos, isso não significa que elas representem mais fielmente o mundo. Sobre isso Khun afirma:
“Não percebo, nessa sucessão, uma direção coerente de desenvolvimento ontológico. [...] Embora a tentação de descrever essa posição como relativista seja compreensível, a descrição parece-me equivocada” (KUHN, 2013, p. 212).
Com isso, ele critica a concepção dominante de progresso científico como um movimento linear rumo à verdade objetiva, propondo uma visão mais contextual e pragmática do conhecimento.
Ademais, Kuhn ressalta que a ciência possui características peculiares que a distinguem de outras formas de atividade intelectual, embora não de maneira absoluta. O processo de socialização científica, a ausência de escolas rivais em períodos de ciência normal, o papel normativo da comunidade científica e a ênfase na resolução de quebra-cabeças são aspectos distintivos dessa prática:
“Consideremos, por exemplo, a ênfase reiterada concedida acima à ausência [...] de escolas competidoras nas ciências desenvolvidas [...] acerca do sistema de valores que o grupo científico apresenta em períodos de crise e decisão” (KUHN, 2013, p. 213).
Kuhn propõe, ainda, que o conhecimento científico é intrinsecamente comunitário. A compreensão da ciência requer o estudo de seus aspectos sociológicos e institucionais. “O conhecimento científico, assim como a linguagem, é intrinsecamente a propriedade comum de um grupo ou então não é nada” (KUHN, 2013, p. 214). Ou seja, a validade e a aceitação de um conhecimento científico dependem, em última instância, das dinâmicas internas das comunidades que o produzem e o legitimam.
Portanto, a estrutura das revoluções científicas segundo Thomas Kuhn revela uma ciência menos objetiva e acumulativa do que se supunha. Em vez de um avanço contínuo e progressivo, o que se observa é uma história marcada por rupturas, crises e recomeços, cada um deles pautado por novos paradigmas que reorganizam o modo de pensar, observar e investigar a realidade. Essa concepção representa uma virada epistemológica, pois desloca o foco da ciência como espelho da natureza para a ciência como prática social, enraizada em comunidades com valores, crenças e métodos próprios, que se transformam ao longo do tempo.
Referência:
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
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