Ensaio filosófico sobre o ideal de viver intensamente e seu impacto na sociedade contemporânea
Ensaio filosófico sobre o ideal de viver intensamente e seu impacto na sociedade contemporânea, segundo Byung-Chul Han
Por Janilson Fialho
A sociedade contemporânea é marcada por uma busca incessante pela intensidade, um ideal que parece definir o ritmo da vida moderna. No entanto, é fundamental questionar até que ponto essa busca desenfreada pela experiência intensa pode se tornar um fator de exaustão e desgaste. Neste contexto, é pertinente refletir sobre como a ideia de "viver intensamente" se transformou em um delírio obsessivo, alimentado pela cultura do excesso de desempenho, que permeia a sociedade atual.
O filósofo sul-coreano, radicado na Alemanha, Byung-Chul Han, mostra em suas obras, em especial a "Sociedade do Cansaço", que a sociedade disciplinar e repressora do século XX, descrita por Michel Foucault perdeu espaço, ou melhor, ela não faz mais sentido para a nova forma de organização coercitiva do século XXI: a sociedade do desempenho (HAN, 2023, p. 23).
Na sociedade do desempenho, as pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados — tornando elas mesmas vigilantes e carrascas de suas ações. Em uma época onde poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a "ideologia da positividade" opera uma inversão perversa: nos submetemos a trabalhar mais e a receber menos. Essa onda do "eu consigo", ou como foi dita pelo presidente norte-americano Barack Obama: "yes, we can", é o discurso positivo do sujeito que se coloca na condição de ser o "próprio patrão" (2023, p. 24).
As instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia, do dever e do combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superação das próprias limitações — o poder como Imperativo de "poder".
Han nos diz que a violência não vem apenas da negatividade, mas também da positividade. A violência da positividade resulta na super-produção, super-desempenho, etc. Entretanto, a positividade da sociedade de desempenho resulta em um aumento significativo de doenças como depressão, transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade e burnout.
Viver intensamente também é um desempenho excessivo que o indivíduo coloca a si mesmo, o resultado é uma exaustão física e mental, além da saturação de tal ideal. Colocar a si isso como meta ou como obrigação é uma condição dessa sociedade. Aliás, não é nada estranho vermos esse discurso do viver intensamente em palestras e livros motivacionais.
No entanto, falamos em superprodução, mas o que produz uma pessoa que "vive intensamente"? Essa questão deve ser respondida do seguinte modo: iremos somar o conceito de "espetáculo" de Guy Debord na ideia de Byung-Chul Han.
Segundo Debord, a vida se torna uma representação, uma performance constantemente observada. O filósofo ressalta que "'tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação', o que ecoa a experiência kafkiana de um ser cuja autenticidade é eclipsada por sua função social como entretenimento" (Debord, 1997, p. 15). Portanto, o sujeito que vive intensamente é o mesmo que vive espetacularizando, ou seja, expondo e produzindo conteúdo sobre sua vida — pensando de acordo com a filosofia marxista, podemos dizer que a imagem e a vida dos sujeitos já se tornaram uma mercadoria nos dias de hoje.
Podemos dizer que o sujeito que se obriga a ter uma vida intensa serve apenas para produzir conteúdo na Internet. Mas, o que pode ocorrer com essa vida dedicada a produção de conteúdo? Os resultados são problemas neuronais devido à exaustão e a causa são as metas que o próprio indivíduo colocou a si mesmo, ou como Byung-Chul Han diz: "o que causa a depressão do esgotamento não é o Imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão de desempenho." (2023, p. 27).
Nesse cenário de hiperatividade e exposição constante, torna-se urgente recuperar o valor do ócio como espaço de resistência e reconexão com a interioridade. Byung-Chul Han (2023) já alertava que a ausência de ócio compromete a saúde psíquica, pois a sociedade do desempenho “impede o acesso a nós mesmos”, substituindo a contemplação por uma agitação contínua e estéril. Martins (2015) complementa essa visão ao afirmar que, “na sociedade hiperconectada não há a condição de contemplação”, pois tudo se transforma em aparência e pressa. Para romper com essa lógica, Larrosa Bondía (2002) propõe que a experiência genuína exige rupturas com o excesso de estímulo, defendendo o cultivo da “atenção e da delicadeza”. O ócio, entendido como “experiência integral” (PINHEIRO; RHODEN; MARTINS, 2010, p. 1144), permite ao sujeito uma vivência autêntica e criativa, sendo, portanto, um contraponto necessário à lógica da produtividade sem fim que sufoca o presente.
Na obra "Do desaparecimento dos rituais", o filósofo nos diz que hoje vivemos pressionados pelo imediatismo do novo, esse imediatismo não abre espaço para rotinas ou repetições. A produção do que é novo assume a experiência das pessoas. Veja o que ele fala desse hiperestímulo de produzir e consumir novidades:
"O que é novo é imediatamente banalizado, tornando-se rotina. É uma mercadoria que se consome e que novamente desperta a necessidade do novo. A pressão para rejeitar a rotina cria mais rotina. Inerente ao novo está uma estrutura temporal que imediatamente o reduz a uma rotina. Não permite que nenhuma repetição nos preencha. A pressão para produzir como pressão para o novo só aprofunda o atoleiro da rotina. Para escapar da rotina e do vazio consumimos ainda mais novidades, novos estímulos e experiências. É justamente a sensação de vazio que impulsiona a comunicação e o consumo." (Han, 2020, p. 13).
Nesta mesma passagem Han aborda o problema da vida intensa, ou melhor, a “vida intensa” como slogan publicitário do regime neoliberal. Esse tipo de vida aqui nada mais é do que uma forma de consumo intenso. Deste modo, podemos presenciar aqui as ilusões de uma “vida intensa”, uma vida que tem como performance o desejo de buscar um outro modo de vida que seja mais intenso do se tem; essa atualização constante e contínua apenas representa um tipo o consumo exagerado.
Além do mais, nessa ideia de viver intensamente encontramos o problema da produção de autenticidade dos sujeitos. Han nos diz o seguinte:
"O regime neoliberal explora a moralidade. O domínio é consumado no momento em que se faz passar por liberdade. A autenticidade representa uma forma de produção neoliberal. Você se explora voluntariamente, acreditando que está fazendo isso. Pelo culto da autenticidade, o regime neoliberal se apropria da própria pessoa, transformando-a em centro de produção de eficiência superior. Desta forma, toda a pessoa está envolvida no processo de produção. O culto da autenticidade é um sinal inconfundível da decadência do social." (Han, 2020, p. 18).
Nessa passagem Byung-Chul Han critica o regime neoliberal e sua capacidade de explorar a moralidade, transformando a liberdade em um mecanismo de domínio. Han argumenta que a autenticidade, frequentemente associada à liberdade individual, é, na verdade, uma ferramenta de exploração.
No regime neoliberal, a autenticidade é apresentada como um valor supremo, incentivando indivíduos a serem "verdadeiros consigo mesmos". No entanto, essa busca pela autenticidade — e no nosso caso aqui o "viver intensamente" — se torna uma forma de produção, onde o indivíduo se explora voluntariamente, acreditando estar fazendo escolhas livres. Essa exploração se dá através do culto da autenticidade, que transforma a pessoa em um centro de produção de eficiência superior. Isso significa que toda a pessoa está envolvida no processo de produção, perdendo sua autonomia e liberdade real.
Viver intensamente nessa lógica produtivista é o mesmo que acreditar na ideia do "faça o que você ama", isso pode ser uma armadilha, pois o indivíduo ignora as estruturas de poder e as desigualdades sociais que impedem muitos indivíduos de realizar seus sonhos. Essa ideia, na verdade, apenas serve aos interesses do capital, mantendo os trabalhadores motivados e dispostos a aceitar condições de trabalho injustas. Mas devemos insistir também que o "viver intensamente" tem seu desenvolvimento na forma de espetacularização da vida.
As redes sociais, como Instagram e Facebook, incentivam os usuários a compartilharem sua vida pessoal e a apresentarem uma imagem "autêntica" de si mesmos. No entanto, isso pode levar à exploração da própria privacidade e à criação de uma cultura de comparecimento e competição. Além disso, podemos dizer que essa suposta autenticidade é frequentemente manipulada por algoritmos que priorizam o engajamento e a publicidade.
O neoliberalismo não apenas explora o trabalho, mas também a própria identidade e individualidade. O culto da autenticidade mascara a exploração, fazendo com que os indivíduos acreditem que estão realizando seus sonhos e desejos, quando, na verdade, estão servindo ao sistema.
Byung-Chul Han nos mostra que na sociedade regida pelo neoliberalismo há uma pressão para ser autêntico. Essa pressão nos leva a uma introspecção narcísica. Isso se reflete na forma como as pessoas se comunicam e interagem entre si. Assim ele diz:
"A pressão para ser autêntico leva a uma introspecção narcísica, a ocupar permanentemente a própria psicologia. A comunicação também é organizada psicologicamente. A sociedade da autenticidade é uma sociedade da intimidade e do despir-se. Um nudismo psíquico confere-lhe características pornográficas. As relações sociais são ainda mais verdadeiras e autênticas quanto mais privacidade e intimidade são reveladas." (2020, P. 20).
As redes sociais nesse contexto são um exemplo claro da pressão para ser autêntico e da subsequente introspecção narcísica. Essas plataformas incentivam os usuários a compartilharem detalhes íntimos de suas vidas, criando uma cultura de exposição e vulnerabilidade. A autenticidade está em mostrar aos usuários que o indivíduo tem uma vida intensa, perfeita, agitada, etc. O que temos, na verdade, é uma espetacularização do banal. Portanto, as pessoas tomaram para si como imperativo de ordem o ato de compartilhar pensamentos e sentimentos pessoais, hoje isso já se tornou uma prática comum. A exposição de momentos íntimos e privados é frequentemente recompensada com likes e seguidores, isso é basicamente uma espécie de alimento da vaidade.
Cada vez mais estamos sendo levados a uma perda de privacidade, pois os próprios usuários se sentem pressionados a compartilhar cada vez mais aspectos de suas vidas. Além disso, a cultura de comparecimento que se desenvolve nessas plataformas pode gerar ansiedade e estresse, pois os usuários se sentem obrigados a manter uma imagem "autêntica" e competitiva do eu.
No Instagram, por exemplo, influenciadores compartilham suas lutas pessoais e experiências íntimas para ganhar legitimidade e apoio. Usuários compartilham fotos e vídeos de momentos privados, como casamentos, nascimentos e relacionamentos. A plataforma incentiva a exposição emocional com recursos como "Stories" e "Reels", que permitem aos usuários compartilhar momentos fugazes de suas vidas. O desinteressante privado se torna interessante na esfera pública pelo formato espetacularizado. A consequência é clara: "O culto da autenticidade corrói o espaço público, que se desintegra em espaços privados" (2020, p. 21). A vida e o agir humano se torna uma mera atuação.
Essa cultura da exposição tem consequências negativas, como a perda de identidade e autonomia. Os usuários podem se sentir pressionados a se conformar a certos padrões ou expectativas, em vez de serem autênticos. Além disso, a exposição constante pode levar a uma sensação de vigilância e controle, onde os usuários se sentem observados e julgados o tempo todo. O mundo contemporâneo deixou de ser um espaço de representação social (como um teatro) e passou a ser um mercado, ou como Han diz:
"Hoje o mundo não é um teatro em que se desempenham papéis e se trocam gestos rituais, mas um mercado em que a pessoa se despe e se expõe. A representação teatral dá lugar à exibição pornográfica do privado." (idem).
As pessoas se expõem e se desnudam, física e emocionalmente. A privacidade e a intimidade são comercializadas, e a exposição se tornou uma forma de valorização pessoal, ou seja, a vida se reduz a uma mercadoria exposta em uma vitrine virtual.
Em resumo, dizemos que essa ideia de "viver intensamente" é só mais uma construção da sociedade sufocada pelo excesso de positividade neoliberal para explorar a liberdade individual, transformando-a em uma ferramenta de domínio. A busca por essa autenticidade se torna uma forma de produção, onde o indivíduo se explora voluntariamente, perdendo sua autonomia e liberdade real.
A sociedade do desempenho e a cultura da exposição nas redes sociais incentivam a espetacularização da vida, onde a privacidade e a intimidade são comercializadas. Isso leva a uma perda de identidade, autonomia e privacidade, além de gerar ansiedade, estresse e depressão. A crítica de Byung-Chul Han destaca que a pressão para ser autêntico leva a uma introspecção narcísica e a uma cultura de comparecimento e competição. A autenticidade se torna uma mercadoria que é explorada pelo capital.
Concluímos dizendo que é fundamental reconhecer aqui a importância da negatividade em nossa existência, especialmente em uma sociedade que valoriza excessivamente a positividade e o desempenho. A negatividade aqui não é apenas um conceito filosófico, mas uma atitude existencial que nos permite resistir à mera repetição e exposição de uma vida superficial e banal. É a capacidade de questionar, de duvidar, de se opor ao excesso de otimismo e eficiência que nos leva à perda de privacidade, liberdade e autonomia.
A negatividade é um caminho para recuperar nossa humanidade, para recompor nossa existência de forma autêntica e significativa. É uma espiritualidade filosófica que nos permite olhar para além da superfície e encontrar profundidade em nossas experiências. Ao abraçar a negatividade, podemos nos libertar da tirania da positividade e encontrar uma liberdade verdadeira, uma liberdade que não é condicionada pelo sucesso ou pelo reconhecimento social.
Em um mundo que valoriza a exposição e o desempenho, a negatividade é um ato de resistência. É um convite para explorar as sombras, as incertezas e as dúvidas que fazem parte da condição humana. Ao fazer isso, podemos redescobrir nossas particularidades, nossas vulnerabilidades e a nossa beleza. A negatividade não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar uma existência mais autêntica — realmente autêntica —, mais profunda e mais significativa.
Referência:
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
HAN, Byung-Chul. Do desaparecimento dos rituais: uma topologia do presente. Tradução: Alberto Ciria. Barcelona: Herder, 2020.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2023.
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20–28, jan./abr. 2002.
MARTINS, José Clerton de Oliveira. Ócio na contemporaneidade cansada. Revista do Centro de Pesquisa e Formação – SESC-SP, São Paulo, n. 5, p. 35–43, maio 2016.
PINHEIRO, Kátia F.; RHODEN, Ieda; MARTINS, José C. de Oliveira. A experiência do ócio na sociedade hipermoderna. Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 10, n. 4, p. 1131–1146, dez. 2010.
Comentários
Postar um comentário