Sobre a faculdade da Receptividade e do Entendimento, e a ideia das formas de espaço e tempo, por Janilson Fialho

Sobre a faculdade da Receptividade e do Entendimento, e a ideia das formas de espaço e tempo

Por Janilson Fialho

Kant distingue na Crítica da razão pura (CRP), antes de tudo, duas faculdades: A Faculdade da Receptividade ou da Sensibilidade (Intuição), pela qual os objetos são dados, e a Faculdade da Espontaneidade ou do Entendimento, pela qual os objetos são pensados. Apresente as principais ideias relacionadas às duas formas da intuição sensível (tempo e espaço) como princípios de nosso conhecimento ou como formas a priori que fundamentam nossas experiências. 

Na "Crítica da Razão Pura", Immanuel Kant distingue entre duas faculdades fundamentais: a sensibilidade (ou intuição) e o entendimento. A sensibilidade é a faculdade pela qual os objetos nos são dados, enquanto que o entendimento é a faculdade pela qual os objetos são pensados e conceituados. Desta forma, veremos nesta questão que houve um esforço por parte de Kant para estudar a inerente estrutura da mente ou as inatas leis do pensamento para o que Kant chama de "filosofia transcendental", afinal, este é um problema que transcende a experiência sensorial.

A estética transcendental, sendo ela a primeira parte da doutrina transcendental dos elementos, contém a ciência de todos os princípios a priori da sensibilidade. Kant toma como ponto de partida em sua exposição, duas faculdades essenciais do conhecimento, sendo assim, temos de um lado a faculdade da sensibilidade, onde os objetos nos são dados; e por outro lado, temos a faculdade do entendimento, que é a qual nós podemos pensar nos objetos. O conhecimento, o qual possui uma ligação com os objetos, relaciona-se com eles, primeiramente, pela intuição; em segundo lugar, pela elaboração da intuição em conceito.

Na teoria kantiana da sensibilidade temos duas formas de intuição sensível como sendo os princípios de nosso conhecimento, ou seja, uma coordenação das sensações que são aplicadas às formas da percepção, portanto, são eles o "espaço" e "tempo" (cr. Will Durant, 1996, p. 257). A estruturação de toda seção de sua obra, a qual contém em primeiro lugar o princípio de intuição do espaço e em seguida o princípio de intuição do tempo, acontece da seguinte forma: ambos os conceitos são expostos na metafísica e, logo a seguir, de maneira transcendental. Depois disso a exposição transcendental é apresentada por meio de algumas conclusões e consequências oriundas dos resultados de suas argumentações. No mais, ele esclarece as suas conclusões e expõe os significados das suas indagações sob um título de "Observações gerais sobre a estética transcendental", e conclui a estética transcendental ao discursar sobre a parte da Crítica da razão pura que no seu todo foi solucionada.

Como vimos a estrutura geral da seção da obra, devemos agora nos ater somente a parte da qual ele, especificamente, fala do espaço. Dela mostraremos as argumentações (pois consideramos tal exposição bastante importante) apresentadas com relação à forma de intuição do espaço; portanto, a exposição metafísica se apresenta aqui em quatro argumentos sobre as razões do porquê o princípio do espaço tem de estar subjacente como uma representação em todos as nossas intuições sensíveis, listamos eles em:


•  representação a priori;

• representação necessária;

• intuição pura;

• intuição pura contrapondo-se aos conceitos.


O primeiro argumento, contudo, começa da seguinte forma: “O espaço não é um conceito empírico, extraído de experiências externas” (B 38); se o espaço fosse um conceito extraído de experiências externas, então deveria determinar todos os objetos, pelos quais ele possuiria uma relação, como uma caracterização conceitual. Entretanto, se ele pode ser determinado como uma caracterização, assim deveríamos aceitar a ideia que existem objetos, pelos quais não são espaciais. Sendo assim, o espaço não poderia ser nenhum conceito empírico, mas somente uma representação a priori, a qual abrange, qualquer que seja, todos os objetos.

No segundo argumento, temos uma representação necessária onde subjaz todas as nossas intuições externas. É demonstrado nesta tese que ao se defender a ideia de que o espaço não pode não ser pensado, mesmo que sejam afastados dele todas as representações de objetos. Portanto, é impossível que se tenha uma representação que não haja algum espaço.

O terceiro argumento nos responde a questão se a forma a priori e necessária da representação do espaço não seria ela mesma um conceito, e já podemos dizer que sim. A tese kantiana nos diz que “O espaço não é um conceito discursivo ou, como se diz também, um conceito universal das relações das coisas em geral, mas uma intuição pura” (B 39). Desta maneira, ele não é um conceito das coisas, já que ele não contém sobre si mesmo os conceitos de outros conceitos que caracterizam as coisas; ele, na verdade, contém apenas aquilo com o qual ele se relaciona em si mesmo. Todavia, não é possível incluir as coisas à representação do espaço, como se existissem diferentes modos de espaço, ao contrário, as coisas estão no espaço, ou seja, “só podemos ter a representação de um espaço único e, quando falamos de vários espaços, referimo-nos a partes de um só e mesmo espaço” (B 39). Vemos aqui então uma representação do todo e partes e não com uma relação ao modo conceitual.

Por fim, temos o último argumento que explica que o espaço deve ser uma intuição a priori, necessária e pura. O espaço é, portanto, uma grandeza infinita dada, contendo em si um número infinito de representações que são possíveis. Se o espaço fosse um conceito, então ele poderia conter em si somente representações bem determinadas e talvez sob si infinitamente muitas. No entanto, tendo uma representação que contém em si um número infinito de representações, o espaço não pode ser uma grandeza conceitual, porque “a representação originária de espaço é intuição a priori e não conceito” (B40).

Até aqui, contudo, vimos a exposição metafísica, e por meio dela Kant demonstrou que o espaço é uma forma a priori da sensibilidade. Entretanto, isso ainda não comprovou que esta forma é a priori de nossa sensibilidade, isto é, como sendo uma intuição pura, pode até ser ela mesma o princípio e a causa dos conhecimentos sintéticos a priori. Afinal, é por meio disso que ainda devemos demonstrar uma exposição transcendental do conceito de espaço que é onde surgem os conhecimentos que são sintéticos e a priori. Ora, tudo que aparece nos nossos sentidos está no espaço. Quanto às coisas em si, as quais são concebidas em geral como independentes da sensibilidade, ou seja, a forma de intuição do espaço possui somente significado ideal, ou o espaço empiricamente real e transcendentalmente ideal. Kant, contudo, defende a ideia de que a representação do espaço com relação às possíveis coisas em si não possui nenhum significado; mas ela constitui uma condição necessária para o conhecimento sensível em geral.

No entanto, antes de adentrar sobre o tema a respeito da intuição do tempo, devemos evidenciar (o que devíamos ter feito antes) que há uma modificação, mesmo que um tanto sutil, na segunda edição da obra, e é claro que não devemos deixar ela passar despercebida. Assim, na primeira edição se apresentava para ambas as formas de intuição um total de cinco argumentos, não havendo nenhuma diferenciação entre a exposição metafísica e a exposição transcendental. Já na segunda edição foi deixado de fora, justamente na seção do espaço, o terceiro argumento, isto é, aquele que é propriamente transcendental, assim restou a exposição metafísica quatro argumentos; e já na seção do tempo manteve-se os cinco argumentos da primeira edição sob o título da exposição metafísica. Kant nesta exposição transcendental reporta-se somente ao terceiro argumento da exposição metafísica. Até pode ser considerado um equívoco aqui, na segunda edição, que não tenha sido apresentado como um paralelismo completo no que diz respeito à estruturação da obra para ambas as séries de argumentação. Contudo, agora veremos finalmente as argumentações kantianas a respeito da forma sobre a intuição do tempo que estão estruturadas da mesma forma como as argumentações do espaço, assim temos uma exposição metafísica pressuposta a daquela transcendental.

A exposição metafísica do conceito do tempo começa com a afirmação de que o tempo não é nenhum conceito empírico, mas como sendo uma representação a priori, porque a sucessão nem sequer se apresentaria à percepção se a representação do tempo não fosse sendo o seu fundamento a priori; sabemos então que com relação aos fenômenos em geral, não se pode suprimir o próprio tempo, sendo então assim não se pode do tempo eliminar os fenômenos. Desta maneira, o tempo é dado necessariamente a priori. Podemos ver que destes argumentos metafísicos sobre o tempo, estando eles estruturados na obra de forma análoga com aqueles do problema do espaço, segue-se então uma exposição transcendental do conceito tempo. Assim, reporta-se à exposição aqui a possibilidade, mediante a representação a priori do tempo, uma fundamentação da matemática pura, especialmente à sua forma especial como mecânica pura ou como doutrina geral do movimento. O conceito da mudança e o conceito do movimento poderiam ser em si contraditórios se acaso o tempo não fosse já desde sempre pressuposto como representação de uma sucessão para as diferentes determinações dos objetos possíveis. A mudança bastante significativa, é que algo num determinado momento é A e em um segundo momento ele não é mais A. Se o tempo não fosse pressuposto aqui como forma de intuição, logo o conceito de mudança levaria a uma contradição na determinação dos objetos, ou poderia ser um conceito impossível. Portanto, podemos compreender isso quando dizemos que X não pode ser ao mesmo tempo A e Não-A, surge, com a ajuda da intuição do tempo como uma lei lógica.

Tudo isso, contudo, tem relação com o simples fato de que o tempo, em um sentido radical comparado ao do espaço, é uma forma a priori da intuição, isto é, ele é a forma de todas as representações em geral. Neste sentido, o tempo fundamenta-se, primeiramente, nos conceitos da mudança e nos conceitos do movimento, nas suas disposições e consistências internas, que são utilizados nas doutrinas da natureza. No mais, ele torna possível também a aritmética, isto é, a contagem numérica, porque só no tempo torna-se possível uma contagem. Ele também torna possível o pensamento discursivo, porque as representações diferentes só são possíveis sucessivamente.

Vemos então que as conclusões a partir do conceito do tempo, desenvolvidas de forma bastante semelhante àquelas do capítulo sobre o espaço, são mostradas por Kant da seguinte maneira: que o tempo não é algo que subsiste em si mesmo ou que adere às coisas como determinação objetiva; por conseguinte, restaria ainda se abstrair de todas essas condições subjetivas da intuição das mesmas. Em primeiro lugar, o tempo não é algo (assim como também o espaço não é) que pertença às coisas ou que faria parte de uma existência fora da sensibilidade. Em segundo lugar, o tempo nada mais é senão do que a forma do sentido interno, ou seja, do intuir a nós mesmos e a nosso estado interno. Em terceiro lugar, por fim, o tempo é a condição formal a priori de todos os fenômenos em geral e a condição imediata dos fenômenos internos e também mediatamente a dos fenômenos externos.

Nas exposições que se seguem na estética transcendental, Kant tenta responder a questão da realidade objetiva do tempo. Ele desenvolve suas argumentações, como bem sabemos, de forma analógica com as teorias sobre o espaço, chegando por fim ao seguinte resultado, que o tempo, assim como também o espaço, possui uma "realidade empírica" e ao mesmo tempo uma "idealidade transcendental". Deste modo, as afirmações aqui mostram que a realidade empírica do tempo, isto é, que a sua validade objectiva em relação a todos os objetos possam apresentar-se aos nossos sentidos. Com isto, vemos que a nossa intuição é sempre sensível, nunca na experiência nos pode ser dado um objecto que não se encontre submetido à condição do tempo.

A teoria estética kantiana sobre o tempo diz que pelo menos o tempo, como condição da mudança de nossas representações, deveria ser real e possuir a realidade absoluta. Portanto, “As mudanças são reais (o que se prova pela sucessão das nossas próprias representações, mesmo que se quisesse negar os fenômenos exteriores e as suas modificações). Ora, as mudanças só no tempo são possíveis; por conseguinte, o tempo é algo de real” (B 53).

Contudo, podemos resumir que ambas as formas da intuição sensível (tempo e espaço), são consideradas princípios a priori que fundamentam nossas experiências. A intuição sensível do espaço não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma forma a priori pela qual percebemos e organizamos nossa experiência. O espaço é, desta maneira, a forma em que os objetos são localizados e relacionados uns aos outros, e também ele é uma condição necessária para a nossa percepção de objetos no mundo, permitindo-nos estabelecer relações de proximidade e distância, sendo essencial para a nossa compreensão da geometria e da estrutura espacial dos objetos. Já a intuição sensível do tempo, assim como a do espaço, não é também uma propriedade dos objetos em si, mas uma forma a priori pela qual percebemos e organizamos nossa experiência, ele é uma condição necessária para a nossa percepção e compreensão dos eventos, permitindo então estabelecer relações de antes e depois, como também ele é uma forma fundamental que estrutura a nossa experiência, tornando possível a noção de causalidade e a sequência temporal dos eventos. Portanto, ambos não são derivados da experiência, mas são condições necessárias para que a experiência seja possível. Kant, por fim, argumenta que essas formas da intuição sensível são universais e inatas em todos os seres humanos, e são fundamentais para o nosso conhecimento do mundo, porque eles nos fornecem a estrutura básica para perceber, organizar e compreender os objetos em nossa experiência.

Referências:

KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1994.

KESTERING, Julio Cesar. Considerações acerca da obra Crítica da razão pura de Kant.

DURANT, Will. Estética transcendental (Kant); in: Os pensadores: A história da filosofia, 1996.

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