O Pensamento de Heráclito: comentários acerca dos seus fragmentos (194, 195 e 196), por Janilson Fialho

O Pensamento de Heráclito: comentários acerca dos seus fragmentos (194, 195 e 196)

Por Janilson Fialho

Os homens deviam tentar compreender a coerência subjacente das coisas: ela está expressa no Logos, fórmula ou elemento de ordenação comum a todas elas. Veja então os seguintes fragmentos, para então vermos depois os comentários a respeito deles.

Fragmento 194: Os homens dão sempre mostras de não compreenderem que o Logos é como eu o descrevo, tanto antes de o terem ouvido como depois. É que, embora todas as coisas aconteçam segundo este Logos, os homens são como as pessoas sem experiência, mesmo quando experimentam palavras e ações tal como eu as exponho, ao distinguir cada coisa segundo a sua constituição e ao explicar como ela é; mas os demais homens são incapazes de se aperceberem do que fazem, quando estão acordados, precisamente como esquecem o que fazem quando a dormir.

Fr. 195: Por isso, é necessário seguir o comum; mas, se bem que o Logos seja comum, a maioria vive como se tivesse uma compreensão particular.

Fr. 196: Dando ouvidos, não a mim, mas ao Logos, é avisado concordar em que todas as coisas são uma.

Antes de começarmos a comentar os fragmentos, devemos fazer uma breve apresentação do autor deles. Heráclito de Éfeso (540 – 480 a.C.) foi um filósofo pré-socrático que viveu na Grécia antiga. Sua filosofia é caracterizada por um constante fluxo e mudança, expresso em sua famosa frase “Ninguém entra duas vezes no mesmo rio”, como também a ideia de “Harmonia dos contrários”.

Estes fragmentos mostram, principalmente o 194, o primeiro a ser analisado, que o pensador Heráclito considerava o acesso à verdade acerca da constituição do mundo sendo pelo reconhecimento do Logos, que pode ser interpretado como fórmula unificadora ou método proporcionado de disposição das coisas, o que também pode ser classificado de plano estrutural das coisas, de maneira tanto individuais como em conjunto.

Os homens são atacados por Heráclito nesse fragmento devido à incapacidade de reconhecer a verdade, e ainda mais por andarem em busca do falso conhecimento de fatos e discursos pessoais em relação entre si. O que os homens deviam fazer então é o reconhecimento do Logos como verdade; entretanto, o que significa esta palavra? Podemos interpretar, como fora dito anteriormente aqui, como sendo uma fórmula unificadora; ou ainda, podemos dizer que seu significado é uma reunião de coisas misturadas sob determinado critério. Logos corresponde, portanto, ao com-um (vamos explicar melhor o significado desse termo quando falarmos do fragmento 196). E onde aparece esse com-um? No Discurso. Mas que Discurso? O universal ou o de Heráclito? O escritor Donald Schüler explora isso no seu livro "Heráclito e seu (Dis)curso", dizendo então que isso se "resolve no estar aquém não só do Discurso, o Discurso dos discursos, como também dos discursos em curso (o de Heráclito e o de outros) antes e depois de termos ouvido" (Schüler, 2000, p. 13). Podemos utilizar a concepção Schüler, e com ela podemos ver que o discurso é ambíguo, ele diz então que o discurso tanto pode ser o Discurso dos discursos como pode designar um dos discursos, e com isto até mesmo o de Heráclito pode ser um discurso. O que devemos notar, entretanto, é a diferença entre um discurso e o Discurso. Desta forma, um discurso e Discurso não coincidem e nem se repelem; o Discurso atravessa cada um dos discursos. Contudo, porque o discurso de Heráclito aparenta ser melhor que os demais? Porque Heráclito demonstra ter a vantagem de vencer as fronteiras do discurso particular indo em direção ao "Discurso" que excede todos os discursos.

Concluímos este primeiro fragmento observando a última frase dele, que mostra que os outros homens, não despertos como Heráclito, estão dormindo tanto no sono quanto na vigília. Esses homens estão afundados em um profundo sono, e a consequência disso é que escapam-lhes as experiências cotidianas e suas urgências. Contudo, esses homens apenas aparentam estarem acordados, mas agem como se nada vissem.

Sobre o fragmento 195, observamos que Heráclito afirma ser necessário seguir o comum, isto é, o Logos, porque ele é a ordem racional do universo ou o Discurso que excede os discursos, como já dissemos anteriormente. Porém, a maioria das pessoas vive como se tivesse uma compreensão particular, ou seja, não seguem o comum, mas sim suas próprias crenças e opiniões. Donald Schüler também dirá algo bastante interessante sobre a época do filósofo que pode trazer uma compreensão sobre as particularidades presentes no discurso que faz perder a noção de comum:

Heráclito vive em uma época em que os discursos persuasivos ascendem. A persuasão não é conduzida pela verdade. Há o falar do que profere discursos e há o dizer do Discurso. O primeiro constrange à visão peculiar, o segundo liberta para o conflito dos contrários. (Schüler, 2000, p. 27)

Essa ideia pode ser vista como uma crítica à falta de união do comum e a harmonia que há no conflito dos contrários na sociedade, por exemplo, que muitas vezes é causada pela falta de comprometimento com um bem comum. Além disso, o fragmento também pode ser interpretado como um apelo à razão e à busca pelo conhecimento universal, em vez de se ater somente a perspectivas pessoais e limitadas.

A obra de Donald Schüler é essencial para compreendermos os fragmentos de Heráclito como já foi dito acima, e o fragmento 196 também é comentado na obra dele.

Deste modo, ele diz que: "perdemos a noção do Discurso com-um quando permitimos que o saber se parta em poços" (Schüler, 2000, p. 26).

O discurso peculiar não leva ao todo, é como o próprio fragmento diz que "não é ouvindo a mim", ou seja, "não é dando ouvidos somente a mim", mas ao discurso, ao Logos; ou como Schüler diz: "ao concurso". Porque todas as coisas são um só, são "com-um", que significa "ser conjuntamente um". Logos é portanto concebido como um verdadeiramente constituinte primário cósmico das coisas.

Referências:

SCHÜLER, Donald. Heráclito e seu (Dis)curso. – L± Edição de bolso, 2000.

KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos: História crítica com seleção de textos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca. 4ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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