Análise do poema “As três palavras mais estranhas”, de Wisława Szymborska, sob uma perspectiva das teorias de Santo Agostinho, Cage e Heidegger, por Janilson Fialho

Análise do poema “As três palavras mais estranhas”, de Wisława Szymborska, sob uma perspectiva das teorias de Santo Agostinho, Cage e Heidegger

Por Janilson Fialho

O poema "As três palavras mais estranhas" (1996), da grande escritora polonesa e vencedora do prêmio Nobel de literatura Wisława Szymborska (1923-2012) tem, a meu ver, uma relação com as ideias de três grandes pensadores: Santo Agostinho, John Cage e Martin Heidegger, de maneira um tanto simples mostrarei as relações de cada verso de acordo com as ideias de cada um desses pensadores mencionados.

Antes de começarmos a análise, precisamos, é claro, expor o poema com seus versos inquietantes para termos um contato com o nosso objeto de estudo:

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado. 

Quando pronuncio a palavra silêncio,
destru-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-se.

No primeiro verso podemos ver que ele está relacionado à filosofia de Santo Agostinho, mais precisamente na sua teoria sobre o tempo apresentada na sua grande obra chamada Confissões.

Agostinho, que foi um filósofo e teólogo cristão do século IV, desenvolveu uma concepção interessante e única do tempo, influenciada, é claro, por suas crenças religiosas. A afirmação do verso "Quando pronuncio a palavra Futuro, a primeira sílaba já pertence ao passado" sugere que, para Agostinho, o tempo é algo fluído. Tal ideia está alinhada com a concepção de que o tempo é uma dimensão subjetiva e interna, em vez de uma entidade objetiva e externa. Agostinho acreditava que o tempo é uma experiência individual e subjetiva, que está relacionada à nossa consciência e percepção.

Essa frase do verso destaca a noção de que o tempo é uma construção mental e linguística. Ao pronunciar a palavra "futuro", a primeira sílaba já se tornou passado, sugerindo que a própria linguagem e o pensamento não podem acompanhar a velocidade do tempo em constante mudança. Assim ele argumentava que o presente é tão fugaz, tão fugidio, que, quando tentamos pensar no futuro, já o transformamos em passado. O tempo, até quando prestamos atenção nele, sempre vai seguindo o seu fluxo, assim no pronunciar da palavra no presente, e quando penso na próxima que virá, e quando finalmente a pronuncio, a outra já se foi ao passado; até as palavras no ato da fala vão escorrendo ao passado, por mais que a palavra passe uma ideia de algo abstrato como "Futuro", afinal, o que sabemos é que todo amanhã é uma pensamento do hoje.

Essa visão agostiniana sobre o tempo é conhecida como "teoria do presente extenso", que enfatiza a importância do presente e a fugacidade do passado e do futuro, os quais um não existe mais e o outro ainda não existe. Para Agostinho, o momento presente é onde a eternidade divina se encontra com a temporalidade fugaz humana.

O segundo verso faz referência às ideias do músico e compositor norte-americano John Cage sobre o silêncio. Cage foi conhecido por suas composições experimentais que desafiavam as convenções musicais tradicionais, principalmente explorando o conceito de silêncio de uma maneira inovadora.

A afirmação do verso "Quando pronuncio a palavra silêncio, destruo", sugere uma noção de como Cage via o silêncio na música, e além dela, não como uma ausência total de som, mas como um espaço aberto e cheio de possibilidades reais do som. Para ele, o silêncio não era um completo vazio e ausência de som, mas uma pausa onde a atenção poderia ser direcionada para os sons ambientes e para a própria percepção do ouvinte. Ao pronunciar a palavra "silêncio" e atribuir-lhe um significado fixo, Cage argumentava que a essência do silêncio era perdida de fato, ou seja, é um tanto contraditório pensarmos que o silêncio deixa de existir quando emitimos a palavra que designa ela. Desta forma, Cage acreditava que a linguagem e as palavras limitam nossa compreensão do próprio silêncio e que é necessário ir além dos conceitos preestabelecidos para experimentar o verdadeiro silêncio.

Essa ideia de destruição, mencionada na frase, pode ser entendida como uma quebra de paradigmas e uma rejeição das convenções estabelecidas ao que entendemos por silêncio. Cage procurava desafiar as noções tradicionais de música e questionar as definições e limites do que é considerado som e silêncio. Assim Cage explorou o silêncio em suas composições, como em sua famosa obra "4'33'", em que o músico, mediante as pausas, permanece em silêncio por todo o tempo da peça, permitindo que os sons do ambiente sejam o "conteúdo" musical. Dessa forma, ele convidava o público a experimentar o silêncio como uma experiência ativa e a questionar a própria natureza do som e do silêncio. Ora, na teoria a pausa representa o silêncio, mas tal silêncio não existe na realidade.

Agora vamos ao último verso, onde ele pode ser analisado sob uma relação à filosofia de um dos principais filósofos do século XX, conhecido por suas reflexões sobre a existência humana e a ontologia, o Martin Heidegger.

Na frase "Quando pronuncio a palavra Nada, crio algo que não cabe em nenhum não-ser" sugere uma relação entre a linguagem e a criação de significado. Desta maneira, Heidegger argumentava que a linguagem desempenha um papel fundamental na forma como compreendemos o mundo e nos relacionamos com ele.

Para Heidegger, a linguagem não é apenas um meio de transmitir informações, mas também é uma forma de revelar e moldar nossa compreensão acerca da realidade. Afinal, é através da linguagem que atribuímos significado às coisas e criamos conceitos que nos permitem compreender e comunicar sobre elas.

No contexto do verso em questão, a palavra "Nada" é pronunciada, e isso implica na criação de algo que não pode ser enquadrado no conceito de "não-ser". Heidegger argumentava que o "nada" não é simplesmente a ausência de algo, mas sim um conceito que tem sua própria existência e significado dentro da linguagem. Ao pronunciar a palavra "nada", estamos atribuindo-lhe um significado a ele e, assim, criamos algo que não pode ser reduzido a um não-ser.

Desta maneira, segundo Heidegger, há três dimensões que fazem referência ao mundo, como o comportamento e a irrupção, estes que trazem, em sua radical unidade, uma clara simplicidade e severidade do ser-aí. Sendo assim, se esclarece a existência pelo simples fato de ser mencionado como um ente, para tal compreensão podemos ver o que Heidegger diz na sua obra "Conferências e Ensaios Filosóficos":

“Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente — e nada mais.

 Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientação é o próprio ente — e além dele nada.

Aquilo com que a discussão investigadora acontece na irrupção é o próprio ente — e além dele nada”.

Com esse "nada" Heidegger aponta em sua obra a limitação da ciência, por exemplo. O que acontece com este nada? Por que nos preocupamos com este nada? O nada é justamente rejeitado pela ciência e abandonado como o elemento nadificante. Porém, quando se abandona o "nada", ele não é admitido então como um ente? Afinal, por que citamos e trazemos a tona esse nada?

Com isto, Heidegger conclui sobre a seriedade e a sobriedade da ciência a esse problema de acordo com o que é dito em A preleção (1929): que é Metafísica?: “a ciência se ocupa unicamente do ente. O nada — que outra coisa poderá ser para ciência que horror e fantasmagoria? A ciência nada quer saber do nada. Esta é, afinal, a rigorosa concepção científica do nada”. Como vimos, Heidegger apontou a limitação da ciência nesta obra citada, mas tal coisa estranha vai além da ciência, pois ele entende que há certas limitações na determinação que explicamos o sentido do ser a partir do ser do ente.

É com essa ideia, portanto, que compreendemos bem esse verso tão inquietante, pois ele está alinhada com a noção heideggeriana de que a linguagem é um modo de revelar e criar significado, e que nossas palavras e conceitos têm um impacto na forma como experimentamos e compreendemos o mundo. O verso sugere que a linguagem tem o poder de criar algo a partir do nada, inclusive o próprio "nada", transcendendo ele a mera negação ou ausência. O nada não pode ser um não-ser se eu me refiro a ele como um ser.


Contudo, obtemos em poucas linhas uma boa reflexão sobre este belo poema que também é curto. Embora as relações entre o poema de Szymborska e as ideias desses filósofos sejam perceptíveis, é importante ressaltar que cada um deles possui uma abordagem única e complexa em relação ao tempo, silêncio e linguagem. As relações mencionadas acima são apenas algumas das várias possíveis interpretações e conexões entre essas perspectivas que foram apontadas neste pequeno texto. Concluímos, portanto, que em poucas frases Szymborska nos põe a pensar sobre cada uma delas por muito tempo, o que demonstra ser uma poesia fantástica.

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