A identidade instrumentalizada pelo capitalismo
A identidade instrumentalizada pelo capitalismo
Por Janilson Fialho
As pautas identitárias não são exclusividade do socialismo/comunismo. Embora esses movimentos políticos citados tenham historicamente enfatizado a igualdade social e a luta contra a opressão, o capitalismo também pode se apropriar dessas pautas.
No contexto do capitalismo, muitas empresas e marcas têm adotado discursos e ações voltadas para a diversidade, inclusão e igualdade social de raça e gênero. Isso ocorre porque a demanda dos consumidores têm mostrado uma preferência por empresas que demonstram compromisso com valores sociais progressistas; e entenda o seguinte: ser progressista não significa necessariamente ser socialista ou comunista, a pessoa pode ser um liberal progressista bastante capitalista. Portanto, as empresas podem abraçar pautas identitárias como parte de suas estratégias de marketing para atrair um público mais diversificado, afinal, ela quer expandir o seu número de consumidores.
Além disso, o capitalismo também permite — por puro interesse estratégico — a criação de negócios e organizações liderados por grupos marginalizados visando então promover a representatividade e a "igualdade" em suas respectivas áreas; entretanto, a criação de tais negócios não significa que seja propriamente um modelo de organização socialista, o sujeito pode seguir o modelo de exploração capitalista. Essas iniciativas podem ser impulsionadas por empreendedores que desejam combinar seus valores pessoais com oportunidades de mercado, e é aqui onde entra a banalização da luta ao transformá-la em produto consumível.
É importante ressaltarmos um debate sobre a apropriação de pautas identitárias pelo capitalismo, pois temos que questionar e evidenciar a autenticidade e as intenções de tais discursos presente em cada espectro ideológico. Algumas críticas argumentam que essas ações no capitalismo, ou seja, as pautas identitárias presente nesse movimento podem ser bastante superficiais, visando apenas o lucro e o uso da imagem pública, sem um real comprometimento com a causa ou em ações que visam melhorar a vida dessas pessoas marginalizadas. Por exemplo, você pode ver uma propaganda de uma grande marca falando do empoderamento feminino, da luta das mulheres negras contra o racismo, mais precisamente sobre o respeito a um corte de cabelo, mas no final das contas é só uma propaganda subliminar de shampoo, sendo assim você só pode ser uma mulher empoderada se consumir aquela marca de shampoo. Mesmo que haja um discurso de conscientização, ele não vem sozinho, ele vem acompanhado de viés mercadológico. Outro exemplo, uma cena de novela onde os personagens estão falando sobre gênero neutro, isso não significa que tal emissora de TV virou socialista, e não é porque ela falou isso que mudou a sua estrutura econômica e nem deixou de ser uma propriedade de produção privada de um burguês capitalista. Mas o indivíduo pode argumentar que essa cena pode alienar as pessoas a virarem comunistas, até pode mas em uma pequena proporção porque depende muito de uma gama de fatores que envolve o discurso do conteúdo, mas geralmente tal cena (por ser de uma mídia comercial onde a crítica passa por filtros que se retira qualquer teor subversivo que atente contra a estrutura da empresa) tem a propensão maior de fazer o espectador se tornar um consumista, isso sim.
A dita "lacração" na mídia cultural do mainstreaming é um movimento capitalista, pois o mainstreaming é o lugar da nata empresarial da indústria cultural. Só basta você ler qualquer artigo de Walter Benjamin sobre teatro ou cinema, que você pode constatar que uma crítica social pode refletir mais a moralidade pessoal do que a um engajamento coletivo em prol da derrubada de uma estrutura econômica. Você até pode ficar inspirado lendo ou assistindo uma obra bastante criteriosa, e por meio dela fazer um protesto, por exemplo, colar a própria mão em obras de arte para salvar a natureza, mas fazer tal coisa não gera senão um consolo moral para dormir com a consciência tranquila de que fez sozinho algo útil, isso não vai mudar a estrutura exploratória e destrutiva que a agroindústria faz. Por outro lado, eu acho um tanto burro o reacionário que infla o peito para se dizer capitalista ficar contra um movimento nesse contexto propriamente capitalista, afinal é da natureza do capitalismo expandir o seu comércio a novos consumidores; mas eu até encaro tal coisa como um tipo de crise de ciúmes do consumo, afinal, esse sujeito tolo está vendo o seu objeto de consumo sendo destinado a um outro grupo fora da bolha dele, tipo um nerd reaça com ciúmes porque estão vendendo o precioso Batman dele a um gay. Contudo, quando vejo um reaça usando a palavra "lacração" para criticar uma determinada obra dizendo que ela segue uma agenda socialista, eu sei bem que para além da burrice em não perceber o espectro econômico que a qual pertence, ele também usa tal palavra para maquear o preconceito e ressentimento que sente a minorias. É muito mais complexo fazer uma crítica a determinada obra onde se tem uma diversidade caricata e instrumentalizada, onde você percebe que foi feito só para lucrar; para fazer uma crítica sem cair na burrice de taxar que é lacração o indivíduo tem que analisar muita coisa e entender muita coisa também.
Portanto, é fundamental analisar de forma crítica como as pautas identitárias são tratadas dentro do sistema capitalista, buscando distinguir entre ações genuínas que lutam de fato contra a opressão, das meras estratégias de marketing vazias. É importante notar tal coisa para não se tornar um idiota moralista que vive de um discurso preconceituoso de que "tudo é lacração", e também para não se tornar um jovem revolucionário moralista de Twitter. No mais, hoje a pauta identitária é uma imagem neutra ao espectro econômico por qualquer que seja (até mesmo o dominante que os oprime), chegando à subordinação das classes sociais.
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