Resenha: Vidas a Contraluz, de Raule e Roger - por Janilson Fialho
Vidas a Contraluz é um
quadrinho espanhol, publicado entre 2002 e 2003, e cabe dizer
que ele é um compilado de dois quadrinhos diferentes “Amores Mortos” e “Cabos
Soltos”; sendo escrita por Raule e desenhada Roger. A história é sobre a
não superação da morte daqueles que amamos, isto é, um quadrinho que trata da
maneira com que lidamos com aqueles que já partiram como se ainda estivem
vivos, são pequenas histórias, ou melhor, varias situações com uma perspectiva
e reflexão sobre a ausência causada pela morte, e até mesmo pela vida.
Sendo assim, veja que tratamos o luto de várias formas, e no quadrinho isso é retratado como uma paranoia ao revirar as lembranças que estão alimentadas pelo desejo, ou reviver o passado ao se deparar com o túmulo de um familiar no cemitério. Mas em outras situações, para além do quadrinho, podemos aplicar a essência do falecido a algum pertence, como, por exemplo, é muito comum das pessoas guardarem as roupas, ou até mesmo o animal de estimação do falecido; assim, em certas situações, tratando os pertences como sendo o próprio falecido, isto é, personificando a pessoa no objeto.
O luto pode gerar um mundo fictício para trazer um pouco de conforto, em certos momentos é mostrado algumas histórias que explora a solidão, como também a solitude, ou seja, o isolamento para fugir do mundo. A solitude pode ser um refúgio que recorremos para fugir da realidade que agora é outra sem a presença daquele que partiu. Entretanto, há um problema nisso, pois fugir da realidade para abraçar de vez a memória de quem já partiu pode condicionar a viver em uma eterna prisão do passado cuja sentença maior é definhar em um luto doentio. Criamos um mundo fictício alimentado pela lembrança, para que de alguma forma se preencha o vazio que se encontra em nossa casa, assim criando uma redoma de tristeza; ademais, o que era uma tentativa de encontrar conforto, passa a ser sofrimento, cabendo aqui a explicação do filósofo Schopenhauer, que o sofrimento é a travação por um obstáculo, posto entre ela e o seu fim passageiro, isto é, nesta perspectiva se não se lida bem com o luto ele pode travá-lo em um mundo de angústia.
Contudo, o quadrinho trata-se
principalmente desse preenchimento do vazio, o preenchimento que é feito
também, por exemplo, e que de alguma maneira pode ser positivo, o de guardar as
lembranças compartilhadas com o falecido, pois essas lembranças guardam
memórias de bons e maus momentos que resistirão ao tempo, e é quase impossível
se desfazer de todos os objetos, porque é humano guardar e preservar a
lembrança de alguém querido, porém, sabendo-se bem que são apenas lembranças,
ou seja, tentando reconhecer a realidade.
Há outro ponto interessante no quadrinho, que é
ausência dos vivos; sim, os vivos podem assumir a função similar a de um morto
na nossa vida. Isso pode se expressar, por exemplo, em ser pais ausentes na
vida dos filhos, como também no inverso disso, que é abandonar os pais idosos
em um asilo; a morte em vida está também presente no fim de um relacionamento
de longos anos, como também nos amigos que se afastaram com o passar do tempo,
assim acrescento que o esfriar de uma amizade ou o término de uma relação é
similar a morte, e pior, porque é um passado de vínculo afetivo que se perde no
tempo ainda em vida.
Por fim, há várias
perspectivas sobre a morte, e são pequenas mortes tanto no sentido metafórico
da vida, como no sentido real da palavra. Portanto, é um excelente quadrinho,
com uma arte muito bonita que pode variar conforme a história, e como foi dito
antes, são pequenas histórias mostrando uma perspectiva diferente do luto, e
principalmente do sentimento de ausência.
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