Colonização Espacial e a Devoração da Terra: Um Delírio Tecnocientífico

Por Janilson Fialho

O primeiro indício de que a chamada "colonização espacial" pertence mais ao campo da ficção do que ao da ciência está no contraste absurdo entre intenção e realidade: enquanto se discute seriamente transformar um planeta desértico, frio e com uma atmosfera tóxica — como Marte — em uma biosfera habitável, estamos simultaneamente destruindo, em tempo recorde, a única biosfera comprovadamente habitável do universo: a Terra.

Essa contradição escancara não apenas a cegueira do projeto tecnocientífico, mas também a lógica suicida de um sistema que, em nome do progresso, devora seu próprio alicerce. Como nos alerta o filósofo indígena Ailton Krenak, "estamos comendo o planeta" — e não o fazemos com gratidão ou equilíbrio, mas com voracidade destrutiva. Não estamos apenas comendo: estamos devorando, exaurindo, violentando a Terra em nome de uma abstração que chamamos de desenvolvimento, sob os imperativos do capital, da ganância, do poder e da arrogância humana.

A suposta "terraformação" de Marte é um delírio narcisista que ignora os limites ecológicos, materiais e éticos da nossa própria condição. Marte é, e sempre foi, um deserto da morte. Projetar ali uma nova "Terra" é como tentar construir um paraíso em ruínas com os destroços de um inferno. A verdade incômoda é que a Terra, em seu estado atual, já não possui os recursos necessários sequer para manter sua própria estabilidade ecológica — quanto mais para reconfigurar um planeta inteiro. A ideia de fugir para outro mundo enquanto arruinamos este é não apenas infantil, mas profundamente irresponsável.

O sonho de colonizar o espaço é, muitas vezes, uma fantasia escapista das elites, uma promessa de salvação seletiva para poucos enquanto os muitos são deixados à própria sorte em um planeta exaurido. Se não cuidarmos da Terra agora, se não revertermos radicalmente nosso modo de vida, não haverá outro planeta a nos acolher. Haverá apenas a vala comum da autodestruição, democrática em sua tragédia final.

A verdadeira fronteira não está em Marte, mas aqui mesmo, na Terra, na urgência de reimaginar a nossa relação com a natureza, com os outros e conosco. A única colonização necessária é a de nossa própria consciência, para que deixemos de consumir o mundo como se ele fosse descartável — porque ele não é.

Referências:

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

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