A Caverna Digital: Como a Sociedade do Espetáculo nos Faz Confundir Realidade com Ficção

Por Janilson

No calor do momento, a perspectiva imediata nos conduz à contemplação de uma sombra — e, com isso, à cegueira frente ao problema real. Como afirmava Espinosa, nossa razão não é livre das afeições; somos atravessados pelo conatus, isto é, por aquele esforço vital de perseverar em nosso ser, impulsionado pelos afetos. Julgamos, assim, mais por nossos estados de ânimo do que por análise racional. Apenas quando a chama da emoção se apaga e maturamos o objeto de conhecimento é que emerge a suspeita mediada pela razão — aquela que desconfia do aparente para buscar o essencial.

O tempo, então, se revela como a instância privilegiada da verdade, porque só tempo conduz os fenômenos ao seus estados de desenvolvimento. É ele quem expõe os contornos reais dos fatos, desfazendo ou revisando as ilusões forjadas e juízos de outrora. No entanto, em tempos que foram tomados pela "sombra digital", torna-se cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso (ou pelo menos do que é real ou aparente). Vivemos aprisionados numa nova versão da caverna platônica: a Internet. As sombras agora são vídeos, imagens, curtidas e memes, projetadas incessantemente pelos influenciadores nas paredes brilhantes das telas.

As redes sociais alcançaram um estágio em que todos se sentem compelidos a agir como produtores de conteúdo. A "sociedade do espetáculo", conforme o conceito de Guy Debord, atingiu hoje um novo patamar: não apenas contemplamos o espetáculo, mas nos tornamos ele. A vida cotidiana é transformada em narrativa vendável; qualquer banalidade vira performance, e a performance, por sua vez, é tomada pelos seguidores como realidade.

Nesse contexto, a crítica que se faz ao conteúdo das redes frequentemente fracassa, pois ela se limita a julgar o espetáculo sem perceber que está enredada nele. Criticamos o absurdo dos vídeos, mas falhamos em reconhecer a falsidade da coisa. Não percebemos que estamos criticando uma encenação, ou seja, uma ficção montada para provocar reações. Tomamos o conteúdo performado como algo real que ocorre na sociedade. Perdemos a capacidade de distinguir a “coisa em si” da aparência, confundindo a realidade com seus simulacros.

As críticas que estamos fazendo até o presente momento são superficiais, elas não conseguem enxergar o que há por trás das cortinas do palco do teatro das aparências. Na verdade, elas também entram no jogo performático do espetáculo das redes sociais. Elas, tomada pelas emoções, contribuem muito com o absurdo.

Um exemplo sintomático disso foi a recente reação nacional a uma reportagem televisiva sobre mães de bebês reborn. O tema, aparentemente inofensivo, foi lançado em horário nobre e em data simbólica — o Dia das Mães. A recepção do público, no entanto, catalisou uma tempestade digital. A reportagem serviu apenas como estopim; o espetáculo real aconteceu nas redes sociais. Em pouco tempo, surgiram vídeos paródicos, reels, memes, depoimentos falsos, e, finalmente, reações indignadas sobre o assunto. Alguns políticos chegaram até mesmo a propor leis contra o atendimento dessas "mães" em serviços públicos.

Em meio à complexidade e ao fluxo constante de informações na sociedade contemporânea, parece que estamos perdendo a capacidade crítica de questionar a natureza da realidade que nos é apresentada. A pergunta fundamental "Será que isto que estou vendo é real?" muitas vezes fica relegada a um segundo plano, diante da velocidade e do volume de conteúdo que consumimos diariamente.

As histórias viralizaram: mães levando bonecas a hospitais, ocupando vagas preferenciais, indo a farmácias ou salões de beleza como se estivessem com filhos reais. Situações claramente encenadas foram recebidas como se fosse fato real. A fronteira entre ficção e realidade desmoronou. Mas a pergunta central permanece: quem está sendo mais ingênuo/manipulado — o criador de conteúdo que simula absurdos para obter cliques, ou os espectadores que tomam tais encenações como realidade?

Parece que estamos sendo feitos de tolos por acreditarmos que alguém leva, de fato, uma boneca a uma unidade de pronto-atendimento. Talvez, o mais provável é que o vídeo tenha sido gravado apenas para causar impacto, e depois a boneca foi esquecida num canto qualquer. O criador segue sua rotina, enquanto o público permanece em alvoroço. Eis o êxito do espetáculo: a ficção se torna mais real do que a realidade.

Diante das câmeras, os indivíduos performam um personagem. Fora delas, provavelmente elas voltam a ser o que são — ou outra ficção qualquer. Alguns argumentarão que há influenciadores "sinceros", que expõem a vida privada com autenticidade. Mas mesmo essa exposição é mediada por filtros, roteiros e enquadramentos. Quem nos garante que a transparência não é apenas mais uma camada do espetáculo? Ver algo na tela é ver a realidade mediada por um espelho. Mas como confiar na veracidade do reflexo?

O problema, portanto, não reside apenas nas pessoas que usam bonecas para engajar. O problema é estrutural: está no desejo generalizado de visibilidade, na lógica do engajamento, na busca por fama construída sobre o banal. A espetacularização das redes sociais nos transformou em consumidores passivos e reativos de encenações, e, paradoxalmente, em cúmplices da difusão de farsas que tomamos como verdade.

Quem aproveita muito todo esse pânico moral são os políticos reacionários que não tem nenhum compromisso social de verdade (e eu me refiro aos pastores, empresários e militares). A discussão sobre "bebê reborn" se tornou uma manobra para conquistar capital político pelos parlamentares de direita no Brasil — foram apresentados, até agora, 25 projetos sobre esse assunto fútil. Todo esse barulho é uma tática perfeita de politicagem para criar uma distração que desvie a atenção da população de questões mais importantes (como o fim da escala 6x1, os cortes de verbas da educação para manter o famigerado "ajuste fiscal" ou a devastação ambiental).

No entanto, o que vemos são parlamentares gastando tempo na tribuna com vídeos de influenciadores com bonecas de silicone. Esses políticos têm o propósito de manipular a agenda pública em seu favor. O que esses políticos querem é construir uma base eleitoral alienada para se manterem no cargo.

Contudo, como escapar da caverna digital? Talvez o primeiro passo seja reconhecer a própria ilusão. A suspeita, aquela que nasce depois do calor do momento, das primeiras opiniões tomadas pelo espanto, pode ser nossa única bússola. Afinal, como diria Nietzsche, "não há fatos, apenas interpretações". Mas talvez hoje o problema nem seja a interpretação — e sim a ficção aceita como fato, o espelho tomado como mundo.

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