Sobre Ler e Reler — ou Conselho à quem vai ler ou reler Machado de Assis

Sobre Ler e Reler — ou Conselho à quem vai ler ou reler Machado de Assis

Por Janilson Fialho

Aos que vão ler “Memórias Póstumas..” pela primeira vez, eu digo isso: assim como Kant foi o filósofo que buscou a conciliação entre o empirismo e o racionalismo no século XVIII, aqui farei o mesmo, mas do seguinte modo: procuro incentivar a conciliação entre a “sensação” e a “razão” na leitura.

A atividade de ler desperta alguma sensação, e essa sensação — seja ela qual for — será válida no seu relato, na sua experiência de ler. A razão, por sua vez, se dará através da “leitura ativa”, ou seja, na leitura que procura destacar, marcar e comentar certas passagens, tal ato representa uma forma de empregar a razão, a curiosidade e o entendimento na leitura.
 
Deste modo, devemos pensar o seguinte sobre a junção de sensibilidade e conhecimento no ato de ler: ela é uma noção “circular”. A literatura, assim como toda arte, é uma ativação da sensibilidade em conhecimento, mas não pense que o conhecimento é a finalidade que vem logos após a sensibilidade, lembremos outra vez da noção circular, portanto, não apenas conhecemos quando lemos, também sentimos quando lemos, e visse e versa. Contudo, nesta experiência explore teus sentimentos e use teu entendimento — e também o seu não-entendimento — para formular um juízo acerca da tua leitura.
 
Agora, dirigindo-me aos que já leram Memórias Póstumas de Brás Cubas, proponho uma pergunta: afinal, por que reler? Por que repetir essa leitura? Ou simplesmente, por que repetir? O filósofo da escola de Frankfurt, Theodor Adorno, até questiona sobre essa “repetição”, ou seja, por que vemos ou lemos mais de uma vez, e inúmeras vezes, o mesmo filme ou o mesmo livro? Adorno dirá que a indústria cultural oferece “produtos” — e a literatura, em certos casos, pode ser um desses produtos — que promovem uma satisfação compensatória, que agrada aos indivíduos e os “desligam” de qualquer problema do mundo real, por isso que há tanta repetição ou releitura. Mas, por que eu trouxe essa ideia de repetição? Porque na época de Adorno, marcado pelo industrialismo, e mais ainda atualmente, a repetição já é algo insuportável ao ser humano, além de ser um processo de alienação.
 
No entanto, não é essa a resposta que quero apresentar, porque não quero fazê-los desistir da ideia de repetição. Para literatura eu proponho o seguinte: releia essa obra seguindo a ideia de “Devir” do filósofo Deleuze. O Devir, segundo Deleuze, é um “desterritorializar-se do modelo”, ou seja, o devir é um processo de desvio.

Assim, desvia — ou foge — do teu modelo fixo ou da ordem estabelecida que você empregou naquela primeira leitura, ou daquela mesma avaliação que tu fez outrora na primeira leitura; em outras palavras, torna a tua leitura diferente do que é. Portanto, faça uma releitura rizomática (outro termo de Deleuze), uma leitura que se espalha, ou seja, que sua perspectiva seja um movimento que siga várias direções, que siga por outras interpretações, afinal, tu não é mais aquele leitor de antes. Contudo, releia “Memórias Póstumas…” outra vez e tente perceber se tua perspectiva da obra mudou, tal como mudou às águas do rio (frag. B91) de Heráclito.
 
Por fim, leia/releia esta obra fantástica e revolucionária em seu conceito e narrativa. Enfrente as rabugens do pessimismo do defunto narrador de Machado de Assis, mas saibas que até no pessimismo Machado é diferente, pois, seu pessimismo tem humor, ou como ele diz, por meio do seu personagem: “Escrevi-a [essas memórias] com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Boa leitura.
 
Publicado originalmente no blog Dito & Feito
Sex., 7 de jun., 2024

Comentários

Postagens mais visitadas