§4 - Dos vícios e virtudes do corpo
Se os vícios são as manifestações das fraquezas do ser humano, as virtudes, por outro lado, podem ser vistas como o antídoto para esses males. As virtudes, quando cultivadas e praticadas, fortalecem o caráter e fornecem uma base sólida para se ter uma vida ética. Tomemos, por exemplo, a virtude aristotélica da "justa medida", ou seja, a virtude da temperança, que significa a moderação no uso dos prazeres. Em contraposição ao vício da gula, a temperança promove no ser humano o equilíbrio e a saúde.
O pensamento clássico nos ensina que virtude é uma "excelência" racional da alma, ela é um exercício com propósito de gerar um hábito no corpo contra os excessos. Se aplicamos ao nosso agir o hábito de fazer atos de justiça, de moderação, de coragem, tornamo-nos justos, sóbrios, corajosos. Por conseguinte, seremos chamados de "virtuosos" por essa ação, e se não fazemos isso seremos considerados "viciosos".
Por mais que a moralidade ou a ética tradicional — mais especificamente, a que foi construída no ocidente, partindo dos gregos até a modernidade — tratasse de suas questões ligadas ao corpo, ela tinha como finalidade uma metafísica, e junto a esse propósito estava incluso o desprezo do próprio corpo.
Um filósofo alemão bastante polêmico, que pregava suas palavras como se fosse o bater de um martelo, afirmava que seria necessário rever nossas crenças relacionadas as virtudes ou os vícios, porque, segundo ele, a virtude não é um mérito moral superior, ou seja, a virtude não é um valor transcendente da alma, mas sim uma inclinação do corpo são. O filósofo recorreu às categorias éticas para propor uma nova "filosofia do corpo", isto é, fazer uma reforma moral sobre bases fisiológicas.
De modo algum esse filósofo alemão deseja moralizar o vício, ele só não vê que essa problemática seja uma "falta" ou um "pecado", mas sim um “defeito”. Esse defeito é resultante de uma alteração ou de uma degenerescência física mantida pela cultura, ou pela educação.
Assim, a virtude não é um mérito moral (ligado a alma, razão, essência, natureza, etc.), ela é uma inclinação do corpo saudável. Pois, o corpo em saúde realizará instintivamente as ações que garantem sua conservação, após uma longa capitalização dos ancestrais, tendo cultivado os bons instintos. É a razão ou a desrazão do corpo que produzirão os comportamentos virtuosos, ou viciosos. Esse filósofo alemão, portanto, vai inverter as relações de causalidade dos outros teóricos da ética, a fim de dar novos meios para cultivar as virtudes contra as calúnias espalhadas sobre o corpo, essas que, durante muito tempo, serviram de princípios morais.
Deste modo, a "moralidade do corpo" é de suma importância, porque ela pode entrar em oposição contra todas as teorias morais de desvalorização do corpo que prevaleceram até o momento. A ideia de reinscrever uma certa moralidade no corpo autoriza a reavaliação dos juízos morais em que transparece uma condenação do corpo. O filósofo alemão quer mostrar para nós que o corpo contém em si todos os pré-requisitos para a sua conservação.
Diante deste longo prólogo sobre os vícios e virtudes do corpo, penso que você, estudante de música, deva estar pensando o seguinte: afinal, o que tudo isso significa? O que isso implica na música, mais especificamente na postura de segurar o instrumento musical? Respondo: não penso em tratar a postura aqui como um valor superior ao corpo por conta de nossa formação musical ou intelectual, ou seja, não pense que fazer tal postura é um ideal correto em si, como se fosse uma essencialidade.
Por conseguinte, do mesmo modo que aquele filósofo colocou a ética voltada ao corpo, eu também vou tratar do meu problema sob a perspectiva fisiológica. Apontarei os vícios e as virtudes do corpo na minha ética musical para prevenir doenças físicas.
Quando o estudante inicia o seu laborioso estudo da música, ele deve prestar bastante atenção na postura, porque isso é a base para desenvolver mais rápido as habilidades com o instrumento.
Independente do instrumento e do estilo que se deseja tocar, a postura é um elemento primordial para o aprendizado. Até pode-se dizer que não existe uma única postura correta para tocar; de fato, isso pode ser verdade, mas, o que existe mesmo, é uma postura ergonômica que evita problemas corporais e o surgimento dos pontos de tensões, isto é, uma postura pensada, dentro do possível, no conforto.
Dependendo do caso, um estudante pode passar muitas horas em uma determinada posição, seja ela sentada ou em pé. Assim, manter uma postura correta enquanto toca não só melhora seu desempenho, mas também previne lesões. A maneira como o estudante de música se posiciona deve ser mais que um diferencial, porque o movimento saudável é o que garante a sua permanência no mundo da música até uma idade avançada, além de levá-lo a patamares cada vez mais altos quanto à técnica instrumental.
O professor — na verdade, o bom professor — tem como prioridade ensinar nas primeiras aulas a postura adequada ao instrumento. Ao fazer isso, ele explica os benefícios da postura correta e os problemas de não a fazer. Isso vai desde a maneira correta de posicionar a coluna, os braços e as pernas, de como se sentar ou de como tomar e soprar o ar. Portanto, temos aqui uma orientação ética — e eu a considero uma ética rígida — focada em cuidar da saúde, e sem ela o professor está construindo um alicerce defeituoso no seu aprendiz.
Longe da sala de aula, ou seja, quando se estuda música em casa, sem a supervisão do professor, é muito comum que os estudantes não se atentem muito com sua postura ao tocar o seu instrumento musical. Isso, porém, é um problema muito sério, pois treinar constantemente em uma postura incorreta pode gerar vícios difíceis de serem retirados depois, e o mais grave, é que isso pode provocar lesões musculares permanentes. Portanto, sempre se atente em sua postura ao estudar, principalmente em casa.
Mas, como podemos fazer isso em casa? Ora, use como instrumento de monitoramento da postura, o objeto preferido dos narcisistas: o espelho. Aqui, ele será de muito ajuda, porque podemos conferir constantemente a postura.
Além disso, até mesmo na postura indicada pode apresentar dores com o passar do tempo (como já disse anteriormente), mas isso pode ocorrer devido a pequenas corrupções da postura, ou mais especificamente, aos desvios da posição dos membros ou da coluna. O excesso do tempo nas sessões de estudo pode ser um fator crucial, por exemplo, se o estudante passar 3 horas seguidas estudando na mesma posição, é muito provável que posteriormente ele irá sentir dores no corpo. Todavia, se teu corpo apresentar algum tipo de dor em um determinado lugar, mesmo sendo na postura indicada, deve-se procurar imediatamente o que há de errado na postura.
Contudo, o corpo é essencial para o musicista, e para continuar sendo é preciso ter uma ética que pense nessa importância que há no corpo. Assim, buscamos uma postura correta não por ser o ideal a nossa forma de estudar, mas, porque ela é a mais ergonômica e mais propícia a manter a saúde.
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