Crítica da Razão Pura: dissertação sobre os prefácios da obra de Kant

Crítica da Razão Pura: dissertação sobre os prefácios da obra de Kant

Por Janilson Fialho

A obra "Crítica da Razão Pura", escrita por Immanuel Kant, constitui um marco fundamental na filosofia moderna, especialmente no que diz respeito à epistemologia. Nos prefácios da Primeira e Segunda Edição, Kant apresenta um percurso crítico que visa abordar as limitações e possibilidades da razão humana. Apresentaremos as principais ideias expressas nesses dois prefácios, destacando as passagens que evidenciam a natureza da metafísica e o papel da razão.

No Prefácio da Primeira Edição de 1781, Kant inicia o seu projeto expondo a condição angustiante da razão. Ele afirma que a "razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades" (A VII). Este dilema gera uma crise que se reflete na metafísica, a qual Kant descreve como um "teatro destas disputas infindáveis" onde "os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites de toda a experiência, já não reconhecem nesta qualquer pedra de toque" (A VIII). Aqui, a incapacidade da razão de delinear fronteiras claras para o conhecimento leva a inseguranças e contradições que dominam o cenário metafísico.

Kant observa que, apesar de um momento em que a metodologia empírica, inspirada por pensadores como Locke, parecia promissor para a resolução das questões metafísicas, o "dogmatismo arcaico" prevaleceu. Ele refere que a metafísica, apesar de sua genealogia "suspeita", continuou a afirmar suas pretensões. Diante desse quadro, Kant lança um convite à razão para que se autoconheça e estabeleça um "tribunal" que defina suas pretensões legítimas, apresentando assim a Crítica da Razão Pura como uma necessária e rigorosa investigação crítica das capacidades da razão sua autoafirmação.

Este aspecto se complementa pela noção de que a metafísica deve ser entendida como um "inventário" do que a razão pura pode oferecer. Kant busca as fontes e condições que possibilitam esse conhecimento, limpando o terreno de ilusões para que se possa avançar em uma nova teorização (A XXI). A tarefa de expor a meta da razão não é meramente acadêmica, mas decorre da própria natureza do conhecimento humano, pois, como ressalta Kant, não se deve aceitar opiniões ou hipóteses que não sejam rigorosamente demonstráveis (A XV).

No Prefácio da Segunda Edição, de 1787, Kant refina suas ideias e alega: "só o resultado permite imediatamente julgar se a elaboração dos conhecimentos pertencentes aos domínios próprios da razão segue ou não a via segura da ciência" (B VII). Aqui, estabelece um paralelo entre a lógica, a matemática e a física, ao afirmar que enquanto a lógica conseguiu uma evolução segura e estável ao longo do tempo, a metafísica ainda "se sente constantemente embaraçada e distante de um consenso claro" (B XV).

A proposta kantiana de que devemos considerar a razão como um legislador ativo que molda o conhecimento a partir de seus próprios princípios anunciando: "a razão, tendo por um lado os seus princípios, únicos a poderem dar aos fenômenos concordantes a autoridade de leis" (B XIII), reverbera sua intenção de que o conhecimento não deve ser meramente receptivo, mas sim ativo na construção da realidade. Essa ideia é intensificada pela analogia com a proposta copernicana, onde Kant sugere que devemos experimentar uma nova abordagem: "admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento" (B XVI).

Contudo, ele também adverte que essa abordagem não é isenta de consequências, pois ao reconhecer que "só conhecemos a priori das coisas o que nós mesmos nelas pomos" (B XVIII), estabelece limites claros para a razão e o conhecimento, que não pode ultrapassar a experiência. Essa restrição revela-se central em sua investigação, ao enfatizar que não se pode conhecer as coisas em si, mas apenas os fenômenos, criando assim uma fronteira à metafísica (B XXVI).

Em suma, os prefácios da Crítica da Razão Pura delineiam a evolução do pensamento kantiano sobre os limites do conhecimento humano e a função da razão. Kant não apenas diagnostica a crise da metafísica, mas também propõe novos caminhos a serem trilhados (sua própria revolução copernicana), ao sublinhar que a razão deve perseverar em sua crítica, ao mesmo tempo em que estabelece que não deve ultrapassar os limites da experiência sensível. Essa nova forma de pensar não só aprimora a compreensão da razão, mas também redefine o escopo do conhecimento filosófico.

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