A crítica de Byung-Chul Han à sociedade disciplinar de Michel Foucault: um equívoco teórico
A crítica de Byung-Chul Han à sociedade disciplinar de Michel Foucault: Um equívoco teórico
Por Janilson Fialho
Byung-Chul Han, em sua obra Sociedade do Cansaço, afirma que a sociedade disciplinar descrita por Michel Foucault não é mais relevante hoje em dia. Han argumenta que a sociedade atual é uma sociedade de desempenho, caracterizada por academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética (Han, 2023, p. 23). A sociedade disciplinar foi substituída pela sociedade do desempenho, onde o controle não é mais exercido por instituições disciplinares, mas sim pela auto-obsessão e autocontrole.
A sociedade disciplinar é caracterizada, segundo Han, por estruturas rígidas e hierárquicas, além de expressar a negatividade (2023, p. 24), enquanto a sociedade do desempenho é marcada pela flexibilidade e adaptabilidade. O poder na sociedade disciplinar era exercido por meio da repressão e proibição, enquanto na sociedade do desempenho, o poder é exercido por meio da sedução e manipulação, onde o verbo modal é poder ilimitado (2023, p. 25). No entanto, essa crítica baseia-se em um equívoco teórico fundamental.
Foucault não limita o poder a instituições específicas, como hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, ou seja, apesar de apresentar esses exemplos, ele não concentra o poder dentro dessas instituições. Pelo contrário, ele destaca que o poder é dinâmico, circula e se transforma ao longo do tempo e se adapta às realidades sociais. Em outras palavras, ele capta o poder em uma extremidade cada vez menos jurídica de seu exercício (Foucault, 1979, p. 182). O poder não está localizado em uma instituição, mas sim nos discursos, nas relações sociais e nas formas de exercício do poder.
Han ignora essa perspectiva e limita-se em sua exposição a criticar os exemplos de Foucault — cabe dizer que os exemplos refletem a realidade que o filósofo presenciou —, portanto, se esquecendo de que o conceito de poder não é necessariamente os exemplos, ou seja, não são necessariamente as instituições; o poder é uma ação dinâmica e se transforma conforme as relações sociais. Além disso, Han supõe que a sociedade disciplinar foi superada, quando, na verdade, o poder continua a disciplinar e controlar os indivíduos de maneira sutil e internalizada.
A ideia de autocoerção, tão presente na sociedade de desempenho de Han, não surge espontaneamente ou do nada. Podemos dizer que ela é fruto de ideologias externas ao sujeito, como, por exemplo, os livros de autoajuda, as redes sociais e a propaganda neoliberal capitalista. Os sujeitos são constituídos por discursos, ou melhor, por "discursos de verdade", e Foucault (1979, p. 12) explica que esses discursos, por meio de sua linguagem, comportamento e valores, são relações constituídas de poder e, portanto, aprisionam os sujeitos. Podemos dizer que as ideologias disciplinam o indivíduo a ser um sujeito de desempenho, demonstrando que a sociedade disciplinar ainda persiste, mas apenas se transformou.
É dito por Han que, para elevar a produtividade, o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo do poder, pois a partir de um determinado nível de produtividade, a negatividade da proibição tem efeito de bloqueio, impedindo um maior crescimento. A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever (2023, p. 25). A questão é saber de onde nasce esse paradigma? Ou quem substituiu ele? De onde vem esse discurso? Deste modo, falta uma clareza sobre a origem do paradigma do desempenho, ele não explica claramente quem ou o que substituiu o paradigma da disciplina pelo paradigma do desempenho.
Apesar de Han dizer que o poder não anula o dever (2023, p. 25), sustentar que a teoria de Foucault é ultrapassada apenas por apresentar essa categoria de positivo ou negativo, é um tanto simplista, pois, o poder em Foucault se mostra como uma rede complexa de relações que produzem e reforçam a dominação. A substituição do paradigma da disciplina pelo paradigma do desempenho não é uma mudança radical, mas sim uma evolução do poder que continua a exercer controle sobre os indivíduos. Afinal, o exercício do poder opera dentro da dinâmica das possibilidades, ações sobre ações, mas não necessariamente de maneira repressiva. Assim, o poder é produtivo e, conforme as palavras do filósofo:
[...] “incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou menos provável; no limite ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles são suscetíveis de agir” (FOUCAULT, 1984, p. 243).
Portanto, o poder é multifacetado, assim podemos incluir em Foucault a dita positividade da sociedade do desempenho que Byung-Chul apresenta como novidade.
A "positividade do poder" é uma ilusão, Han não está equivocado nisso, mas afirmar que esse poder envolve apenas formas de autocontrole e autodominação é ingênuo, pois, a positividade do poder é explorada pelos discursos corporativistas, portanto, podemos observar claramente discursos ideológicos externos (discursos que não disfarçam suas intenções) que disciplinam a subjetividade dos indivíduos a serem sujeitos do desempenho para outro. Além disso, a noção de "efeito de bloqueio" da negatividade da proibição pode ser uma justificativa disciplinar para a implementação de novas formas de controle e dominação.
Portanto, a sociedade de desempenho não é uma ruptura com a sociedade disciplinar, mas sim uma evolução do poder, que continua a disciplinar e controlar os indivíduos de maneira sutil e internalizada. A crítica de Han à sociedade disciplinar de Foucault revela um equívoco ao ignorar a complexidade e a dinamicidade do conceito de poder em Foucault.
Referências:
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
FOUCAULT, Michel. Dois Ensaios sobre Sujeito e Poder. Tradução parcial do texto: Michel Foucault, “Deux essaissurlesujet et lepouvoir”, in Hubert Freyfuse Paul Rabinow, Michel Foucault. Um parcoursphilosophique, Paris, Gallimard, 1984. Pp. 297-321. 16/12/2009. Disponível em: [jornalista.tripod.com] Acesso em 10/11/2021.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada — Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
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