Sobre a crença e o discurso religioso do ateu: ou como o ateu usa a máscara do ceticismo para esconder sua essência de ser um crente, por Janilson Fialho
Sobre a crença e o discurso religioso do ateu: ou como o ateu usa a máscara do ceticismo para esconder sua essência de ser um crente
Janilson Fialho
Há diversas formas do indivíduo ser um crente sendo ateu, portanto, a imagem do ateu cético entra em pura contradição com ele mesmo sendo um indivíduo que acredita em algo. O ceticismo é um mero artifício seletivo da ignorância do sujeito a um tema que ele escolheu. Não existe uma pessoa completamente cética. Apenas se considera cético o sujeito arrogante e inseguro.
Ora, é fácil perceber que um dito ateu do cristianismo não é um oposto, já que ele se encontra também em uma categoria de ser crente, afinal, é fácil ver ele como um crente adorando o deus-ciência ou o deus-revolução, o deus-nada ou deus-vontade-de-poder.
Agarrar-se a um discurso materialista é um mero disfarce que se sustenta por alguns minutos. No entanto, aos poucos ele, em algum sentido, utilizará a representação desse materialismo em um grau metafísico. O brutalismo do mundo se torna mais efêmero e universal (em conceito) a maneira como se enxerga ele.
Sobre o valor e o desvalor, nada mais é que o discurso de afirmação de sua crença. Ver um sujeito dizer "menos igrejas e mais universidades" é tão somente assumir a valoração de um discurso religioso com os agentes trocados de posição, ou seja, é a aclamação de querer mais templos ao seu deus, mais valor ao que eu valorizo e acredito e menos valor ao que eu desvalorizo e desacredito.
O ateu do cristianismo é um frustrado com Deus por ver nele uma impotência e incompreensão, mas será que ele não é um fanático de seus próprios ideais, e se não for será que ele se tornará um ateu dos seus novos deuses (ciência, revolução política, leis, natureza, razão, dinheiro e si próprio) quando for demonstrado o mesmo, ou seja, a mesma impotência e incompreensão.
Vejamos então o seguinte: Ir à um ato político em praça pública e bradar palavras de ordem é tão somente se assemelhar ao crente que ora, tendo em vista que tal atitude em nada muda na estrutura, isto é, fazer uma passeata pelo fim da guerra não vai mudar em absolutamente nada numa guerra para além do mar, mas ele tem fé que tal ato surtirá efeito. Achar que a ciência busca o bem da humanidade é assumir um papel de ingenuidade de acreditar num mundo melhor, afinal, o auge da ciência também é testado nas guerras. O suprassumo do egoísmo é fazer de si mesmo um deus, ora, acreditar em si próprio também é uma crendice, e essa crendice se esvai quando esse indivíduo percebe que não pode controlar a natureza do vir-a-ser. Acreditar que vai se tornar um ser humano perfeito quando alcançar o máximo da razão também é outra crença, o iluminismo visa a superação da fé pela razão, só que tal razão não tornou o ser humano civilizado, pelo contrário, o homem do iluminismo tornou-se uma besta sanguinária trajada de polidez. A leis são conveniências decididas por quem detém o poder, assim se presume de acordo com o que vemos, só que podemos ver que as leis contém falhas e não funcionam para todos, mas o crente das leis acredita que elas funcionam como sendo uma forma de justiça e que são uma autoridade digna de temor, podemos lembrar que a escravidão estava como certa na lei. O dinheiro é o deus mais popular da atualidade, pois o devoto desse deus acredita que o milagre material é satisfazer o seu desejo de consumo com futilidades, mas ele nunca se satisfaz e esse nunca se satisfazer mantém o culto ao dinheiro de pé. A ignorância também é uma santa aos imbecis que preferem ignorar o mundo para se fechar nesse ideal ascético. O filósofo também pode ser um crente de suas ideias éticas e metafísicas — os leitores de tais filósofos trazem seus conceitos como palavras de verdade de um tipo de evangelho sobre o mundo. O próprio ateísmo é uma crença, e também uma religião — basta vermos os grupos reunidos como se fossem umas seitas, fazendo estudos contra a existência de Deus, e quem dizer o contrário verá o julgamento dos dogmáticos do ateísmo. O velho Kant dirá que o sujeito não tem como provar a existência e nem a não existência de Deus, se ele não pode fazer isso empiricamente, resta apenas à esse indivíduo sua fé, portanto, há para ele a fé de acreditar que Deus não existe.
Há, portanto, uma infinidade de cultos que poderíamos citar, mas já basta com esses exemplos. Prosseguimos agora dizendo que dito ateu apenas retira de Deus o trono metafísico para pôr outro ideal superior no seu lugar para adorar, afinal, os ateus são crentes, na verdade, como já vimos, não há ser humano que não seja um animal de fé. Dificilmente um ateu "saudável" do juízo assume um ceticismo niilista extremo, pois, ele tem medo de se jogar no abismo do suicídio — o dito ateu saudável não consegue ser niilista porque talvez veja nisso o medo do desconhecido como estar na presença de um ser, ou seja, ele tem medo do ser que mora no abismo, portanto, isso também é uma crença, isto é, a crença de temer esse demônio — assim agarram-se na crença de alguma coisa, e essa coisa pode até ser a vontade de acreditar na vida.
Contudo, o ar de superioridade que o ateu esbanja contra um católico, por exemplo, é também apenas uma crença fundamentada no ressentimento disfarçada como vontade de poder, ou seja, há nele uma vontade de poder de se acreditar como sendo um ser superior ao assumidamente crente. A negação do ateu, do descrente, é só uma via para outra crença. O dito não-crente é um crente de acreditar na sua superioridade racional, portanto, se ele acha uma tolice ser crente, logo sua crença em ser superior racionalmente é algo tolo também.
Contudo, o problema do ateu é a sua arrogância de não se aceitar como um crente, sustentando a sua máscara de ceticismo. A arrogância de tal sujeito é tão somente uma vontade de poder reativa contra quem de fato consegue se afirmar como tal, ou seja, contra o crente que pode se afirmar como sendo o que é, afinal, o ateu ressentido não quer ser visto como aquilo que ele sente repulsa.
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