O tempo para Santo Agostinho e Nietzsche: sobre a Distensão, o Eterno Retorno e a Ética, por Janilson Fialho
O tempo para Santo Agostinho e Nietzsche: sobre a Distensão, o Eterno Retorno e a Ética
Por Janilson Fialho
Entre Nietzsche e Santo Agostinho, quem tem uma análise mais interessante sobre o tempo? Ambos visam sua filosofia como sendo contra o niilismo, mas quem parece ter uma visão mais otimista de fato? Veremos na seguinte discussão o que esses autores falam sobre o tempo e outras questões ligadas a elas.
Nietzsche critica a noção tradicional de tempo linear e progressivo (essa é a noção de Santo Agostinho e dos demais pensadores medievais), argumentando que essa concepção limita a nossa compreensão da vida e nos impede de viver plenamente o presente. Em seu pensamento sobre o tempo também há o conceito do eterno retorno, que é uma idéia misteriosa e, com ela, Nietzsche pôs muitos a pensarem (recomendo ler a abertura do romance A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera) que um dia tudo vai se repetir como foi vivido e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente.
Já Santo Agostinho afirma que o passado não é mais e que o futuro não é ainda, portanto, passado e futuro não existem. O presente, se fosse sempre presente, e já não mais passasse para o passado, isto é, se não transcorresse, não seria mais tempo, mas eternidade (já temos uma diferença entre tempo e eternidade). O ser do presente, então, é um constante deixar de ser, pelos seus movimentos que o levam ao passado; portanto, o tempo é um não-ser, e só percebemos que ele é um não-ser na atenção do presente.
Ao analisar o tempo, Agostinho recorre ao seu aspecto psicológico. A teoria do tempo é explicada por uma tríade: memória, atenção e espera (pretérito, presente e futuro), existente na mente humana. Quando o homem mede o tempo, assim o faz por meio da impressão ou percepção que tem dele. E a percepção leva a distensão do tempo, ou seja, às vezes percebemos que o tempo parece demorar mais, e outras vezes parece que se passou num instante.
Vejamos, portanto, que cada um tem a sua maneira de abordar o tempo, mas considero que o tempo para Santo Agostinho parece ser uma visão mais sóbria e real comparado a de Nietzsche, por ele ser um tempo perceptível, afinal ele atribui a mente humana tal fenômeno. E não pense que estou retirando de Agostinho seu peso teológico, ele considera o tempo uma criação de Deus, só que ela é intrinsecamente ligado à nossa percepção e experiência do mundo. A distensão do tempo é algo que conseguimos sentir, e que com certeza alguém já experimentou ela em um dia extremamente enfadonho.
Estamos sempre no presente, veja bem: só nos damos conta de que fomos ao futuro quando estamos no presente do que julgamos ser o futuro, então o futuro já não existe, o que existe agora é o presente, e aquele presente agora é passado e já não existe mais; só sabemos quando o tempo passou quando resgatamos para a nossa memória os eventos que já passaram, e fazemos isso no presente. Podemos até fazer o seguinte jogo de palavras: "o ontem era o hoje de amanhã/ o amanhã será o hoje de ontem/ E o hoje é sempre o hoje…". Quer maior realidade temporal do que o tempo presente?
Já o eterno retorno, parece mais uma fantasia de ficção científica do que uma teoria, cuja pretensão é aplicar um conceito ético para tentar mudar a vida do sujeito, isto é, a pessoa sabe que vai ficar preso num ciclo sem fim, portanto, se é para ficar preso nisso então faça de tudo para ter uma vida feliz nesse ciclo eterno. Mas é aí que entra alguns problemas, como o desafio da aceitação, pois em tal perspectiva tem o desafio existencial para os indivíduos, exigindo, quase que de forma estóica, que aceitemos plenamente cada momento sabendo que isso se repetirá infinitamente, mas essa aceitação pode ser difícil de ser alcançada, especialmente quando se trata de momentos de dor, sofrimento ou arrependimento, e como não entrar em desespero sabendo que isso será eternamente? Isso seria um inferno, pois imagine o quão horrível seria, por exemplo, a vida de uma pessoa judia no holocausto, ela teria que viver nesse inferno para sempre. O escritor Milan Kundera pode até sair em defesa do eterno retorno em seu livro A insustentável leveza do ser, ao dizer que:
"Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Essa ideia é atroz. No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma responsabilidade insustentável. É isso que levava Nietzsche a dizer que a ideia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos".
Ao vermos tal passagem podemos até nos encher de inspiração por causa dessa responsabilidade dos atos em prol de seu retorno, mas a estultícia humana não respeita nem o inferno, quem dirá o retorno. Aliás, tal visão nos aprisiona num mundo cruel cuja punição é repetir tudo de novo. Não é porque sabemos que tudo irá se repetir que nos livraremos das intempéries causadas pela maldade humana, e sabemos que essa visão nietzschiana está desprovida de moral, então não mudará nada no agir para aqueles que saibam de tal teoria, pelo contrário, pode haver uma liberação destrutiva. Em Agostinho, pelo menos, as vítimas têm a possibilidade de se livrarem de seus algozes, já em Nietzsche não há livramento, há somente a condenação de ficar preso com seu torturador. Em Agostinho, pelo menos, os crápulas sofrerão as consequências e serão condenados por seus atos, já em Nietzsche os crápulas terão a oportunidade de repetir as suas atrocidades inúmeras vezes.
Essa questão do eterno retorno está entrando no campo da ética, e isso parece ser inevitável, por isso quero até mesmo abrir um espaço para desviar do tema proposto a esta discussão para dizer que muitos nietzschianos falam tanto de liberdade, mas não se dão conta de onde está a liberdade na ideia do eterno retorno. Afinal, essa ideia sugere que tudo o que acontece é determinado e repetido infinitamente, assim podemos dizer que isso não leva senão a uma sensação de falta de livre-arbítrio e de impossibilidade de mudança. Se tudo está predestinado a se repetir, então não temos a capacidade de escolher ou de alterar o curso dos acontecimentos.
Todavia, sabemos que a ideia de eterno retorno é tão somente uma ilustração da percepção de que há uma repetição da história, ou seja, é buscar na história uma semelhança dos acontecimentos com base nos conceitos da filosofia que ainda estão sendo debatidos e percebendo que não se chegou a um resultado final, mantendo assim a roda da filosofia girando para continuar explicando a humanidade. Desta forma, percebe-se que "as intermináveis mudanças e heterogênea complexidade de eventos, é apenas o mesmíssimo ser inalterável que está diante de nós, que hoje persegue os mesmos fins que perseguia ontem e perseguirá sempre. O filósofo histórico tem, por isso, de reconhecer o caráter idêntico em todos os eventos [...], e, apesar de toda variedade de circunstâncias especiais, de trajes, condutas e costumes, ver em toda parte a mesma humanidade" (Durant, 1996, p. 303).
Ora, não percebe-se que tal coincidência não é buscar uma representação e significação por meio da filosofia que a-histórica, ou seja, significar uma aparente semelhança nos eventos de hoje ou de amanhã com ideias descoladas do seu tempo histórico — e essa representação tenta justificar uma representação de que o tempo não é linear. O problema disso, que tudo se repete com outra roupagem, é querer capturar o tempo com ideias assíncronas — aqui não há um desprezo pelas ideias do passado, pelo contrário, dizemos que a filosofia é a-histórica, portanto, as ideias ultrapassam e superam o tempo, mas apenas elas ultrapassam o tempo por serem valorativas, mas com isso devemos evidenciar um certo cuidado com esse fatalismo — sim, um fatalismo, podemos acusar tal ideia da mesma maneira que os defensores do tempo circular acusa o tempo linear de ser determinista — da repetição do tempo por meio de uma representação de algo totalmente valorativo. O passar do tempo aqui ganha apenas uma roupagem circular por pura sensação de achar determinada situação semelhante a um evento passado; é fazer uma dialética do presente com o passado para pensar num futuro certo.
Contudo, vejamos a finalidade de cada ideia: Santo Agostinho, com seu tempo linear, leva o sujeito virtuoso ao céu, portanto um lugar onde o sofrimento não existe. Isto sim é uma visão otimista. Já Nietzsche, com seu tempo circular, aprisiona e condena o sujeito virtuoso na terra a repetir as mesmas coisas, imagine então dizer isso a quem nasceu num lugar horrível e cheio de sofrimento; e Nietzsche tentando ser otimista dirá: somente aceite isso. Como aceitar isso? Por que eu tenho que aceitar essa condenação injusta? Como Nietzsche tenta combater o niilismo se a sua teoria leva a falta de propósito, pois do que adianta eu fazer o que faço se vou ser condenado a repetir tudo de novo. Podem até dizer que as ações são egoistas, mas as ações existem pelo propósito de um resultado, afinal, de uma ação A temos um resultado B, e o eterno retorno tira essa possibilidade de passagem aprisionando o sujeito na ação A para ação A. Qual a vontade de viver preso no mesmo processo? Veja bem, se eu tomei conhecimento de tal ciclo temporal, e sei que ficarei preso nele, então a partir disso só aumentaria o meu desespero no primeiro infortúnio que fosse aparecer depois de tal revelação, afinal, eu sei que teria que reviver o trauma infinitamente. Quem é a pessoa apática que aceita viver presa revivendo o mesmo trauma infinitamente? Só se aceita tal coisa quando somos niilistas, e aceitar isso mostra o quão desgraçado se está. Além do mais, nós já temos essa experiência na rotina do dia a dia, e muitos dizem que ela é uma tristeza, imagine então aplicar isso ao um conceito metafísico existencial. Mandar o sujeito aceitar isso é o mesmo que aceitar o fatalismo sob uma ilusão hipnotizante de "felicidade".
Os nietzschianos podem até criticar a visão e a fé cristã (como se também não fosse um ato de fé acreditar em um ciclo temporal eterno), mas aqui em Santo Agostinho a teoria do tempo parece mais interessante e sofisticada por si só (a distensão, por exemplo), além de ser realmente otimista do que a pretensa teoria de Nietzsche, que serve mais para um pretexto ético afirmativo.
Contudo, reafirmo: o tempo parece mais desenvolvido em Agostinho, e na questão ética também, onde entramos quase que sem querer — por causa do eterno retorno —, e, em ambos, o agir conta, mas a finalidade parece horrível em Nietzsche, afinal, do que adianta ser virtuoso se não me livrarei do sofrimento, se ficarei preso aqui sem perspectiva de fuga num desespero niilista. Não há, sendo assim, felicidade em Nietzsche, há somente conformismo niilista. Já em Santo Agostinho há esperança e há uma possibilidade de liberdade das aflições desta terra, e para isso é só uma questão de tempo, um tempo linear que vai até um final.
Referências:
AGOSTINHO, Aurélio (Santo Agostinho). Confissões. Tradução J. Oliveira Santos, S.J. e A, Ambrósio de Pina, S. J. São Paulo: Editora Nova Cultural (Coleção Os Pensadores), 2004.
DURANT, Will. O mundo como vontade (Schopenhauer); in: Os pensadores: A história da filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. — São Paulo: Nova Cultural, 1996.
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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