Comentário: acerca do poema de Drummond sobre a insatisfação e o tédio humano, por Janilson Fialho
Comentário: acerca do poema de Drummond sobre a insatisfação e o tédio humano
Por Janilson Fialho
O poema "O homem; as viagens", de Drummond de Andrade, é um verdadeiro passeio sobre o tédio humano. A busca por uma felicidade ideal torna-se um constante problema, afinal, esta busca exacerbada pela felicidade plena pode simplesmente proporcionar ao indivíduo sempre um sentimento de incompletude. Nesse sentido, é produzido sujeitos sociais angustiados sofrendo de um profundo vazio existencial. Vamos ao poema, e depois continuamos a nossa reflexão:
O homem, bicho da Terra tão pequeno
Chateia-se na Terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a Lua
Desce cauteloso na Lua
Pisa na Lua
Planta bandeira na Lua
Experimenta a Lua
Coloniza a Lua
Civiliza a Lua
Humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
Pisa em Marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus
O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto – é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
Espanhol domado.
Testam outros sistemas fora
Do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(Estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar, colonizar, civilizar
Humanizar o homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria de con-viver.
Vejamos, portanto, que até as grandes realizações científicas, por exemplo, não são, na verdade, pensadas no bem ou no avanço da civilização, ela pode ser simplesmente a vontade de poder tentando suprimir o tédio de um bilionário imbecil. Portanto, explorar Marte não significa absolutamente nada de positivo ao povo da terra, é só o desejo de um bilionário megalomaníaco que sofre de tédio.
Mire veja (como diz o personagem Riobaldo): tal imbecil apenas quer realizar isso para engrandecer o próprio ego e significar a vida medíocre que tem. Você pode até dizer que a vida dele é as mil maravilhas por ele ter muito dinheiro, mas saiba que você julga isso por pura idealização do que lhe falta. Santo Agostinho, assim como outros pensadores, afirma que vivemos do desejo, isso é um fato, e assim ele também diz que as coisas fugazes e perecíveis não são capazes de alimentar o desejo; portanto veja, você almeja muito uma coisa, você luta muito e a consegue, depois de um tempo aquilo perde a graça, então você quer outra, você vai atrás e consegue, logo perde a graça, e assim vai conquistando e ficando descontente com o que conseguiu. É um vício, você não para de desejar e não se satisfaz com o que consegue. O vício da ganância funciona é assim, o vício do desejo compulsório é assim, é também o niilismo que se sente com o que já tem. O desejo e o tédio move o homem, mas o move para um círculo vicioso.
Deste modo, veja como o imbecil tenta fazer coisas totalmente imbecis para afirmar o que ele é, como também é uma maneira de se mostrar vivo, aliás, que ele tem a capacidade material para afirmar essa ignorância; por exemplo, quer imbecilidade maior do que gastar uma fortuna na compra de uma rede social só para acabar com ela sabendo que ele também perde com isso? O desejo humano, na maior parte das vezes, é movido pela burrice e a falta de sentido, pois o que importa é se afirmar. É como Dostoiévski diz: o homem é capaz de construir pontes, mas também é capaz de destruí-las, mesmo sabendo que isso o prejudique também. Portanto, o homem é capaz de destruir a terra para colonizar um planeta inabitável só para dizer que colonizou. É a ignorância disfarçada de conhecimento.
Podem criar mil e um argumentos científicos para justificar a ida até Marte, mas no final nada disso importa de verdade, porque o que vai imperar de fato, e acima de tudo, é a frase: "esse cara é foda!", ou "eu sou foda!". Depois ele se cansa e vai procurar outra coisa útil ou inútil para fazer, para ouvir o mesmo elogio. Voltamos assim ao mesmo ciclo vicioso de afirmação e autoafirmação, de alimentar o próprio desejo constantemente. Isto parece ser uma espécie de servidão voluntária (utilizarei o termo de Étienne de La Boétie) do próprio desejo, o perigo é quando essa servidão voluntária é usada e instrumentalizada por alguma força política e econômica invisível, como o neoliberalismo.
O problema não está na afirmação do útil ou inútil, do ser ou não ser, do fazer ou não fazer, do ter ou não ter; mas no excesso, na elevação escatológica da afirmação e dos desejos. Mesmo diante de séculos do ser humano explorando e descobrindo em suas próprias entranhas o que precisa para agir e perceber certos mistérios do "coração-selvagem", o ser humano ainda não pôs os pés no chão, portanto, ainda não se humanizou e tomou jeito por completo.
O final do poema é belíssimo, onde podemos fazer uma observação: ele separa, de forma não usual, as palavras colonizar e conviver para "col-onizar" e "con-viver", o poeta faz isso para provocar um estranhamento que impede a automatização da leitura e obriga o leitor a refletir sobre o sentido original da palavra. Vejamos, por exemplo, o sentido de "con-viver", pois eu o considero bastante interessante e muito importante. Por que eu considero ele importante? Porque nós infelizmente deixamos de lado esse “con-viver”, afinal, esse con-viver abarca o viver “con-nosco”, que também é o "con-um" — vide o livro Heráclito e seu (Dis)curso, de Donald Schüler — que é o viver com o outro, viver com o hoje, viver com a falta, viver com expectativas futuras, com o presente, viver com a tristeza e com a frustração, viver com a explosão de alegria, com a plenitude, viver com uma vida complexa, imprevisível e cheia de vicissitudes. É esse "viver com" que completa a vida.
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