A Uberização do indivíduo: comentário sobre a sociedade disciplinar de Byung-Chul Han
A Uberização do indivíduo: comentário sobre a sociedade disciplinar de Byung-Chul Han
Por Janilson Fialho
"A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos da obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Nesse sentido, aqueles muros das instituições disciplinares, que delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornaram arcaicos. A analítica do poder de Foucault não pode descrever as modificações psíquicas e topológicas que se realizaram com a mudança da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho. Também aquele conceito da “sociedade de controle” não dá mais conta de explicar aquela mudança. Ele contém sempre ainda muita negatividade." (Han, 2015, p. 14)
Estamos em uma prisão a céu aberto cuja a punição é ser parte do padrão comportamental e de desempenho. Hoje somos escravos de si mesmo. A uberização do ser. Aliás, é bom explicar esse conceito. Quando falamos em uberizção, é sobre aquele app de transporte é claro, mas estendendo mais esse termo podemos dizer que é um sujeito doutrinado (pela mídia, pela ideologia neoliberal) a seguir uma rotina de autodesempenho produtivo, que por via de regra é bastante exaustivo. Você vai até o limite das possibilidades do corpo para lucrar mais. Entretanto, o seu lucro vai para a empresa dona do aplicativo, e você nem percebe isso, ou seja, você não percebe que está sendo explorado. A ideologia, neste caso da uberização, é colocar na sua cabeça que você é independente, um autônomo, o patrão de si mesmo, mas na verdade você é um funcionário de um app de uma empresa estrangeira bilionária que te paga o mínimo do mínimo pelo seu excesso de esforço.
Podemos pegar um exemplo interessante para fazer uma analogia com o tema de Byung-Chul Han. Há um mini-documentário sobre um garimpo brasileiro, chamado A Pedra da Riqueza, de Vladimir Carvalho. Nesse documentário podemos perceber claramente, além das péssimas condições de trabalho, a alienação do processo final do trabalho dos garimpeiros, isto é, para onde vai o ouro. Os garimpeiros até especulam quem é o dono da mina, cada um com sua resposta do tipo: vai para algum político; vai para um empresário; vai para fora do país. Pois bem, imaginemos o seguinte: o funcionamento do garimpo é por meio da sociedade disciplinar, ou seja, você percebe claramente o opressor que o faz trabalhar. E neste caso é o capataz ou o jagunço (não sei o nome específico, para usar ao superior do campo de trabalho que vigia o garimpeiros). Agora vamos imaginar que o garimpo passa da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho. Imagine só que a figura do tal capataz não será mais precisa para forçar o trabalho, afinal, os garimpeiros passaram por mais um processo de alienação, que é o do autodesempenho, ou seja, de se auto forçar a bater as metas excessivas. Não importa beber água com mercúrio, inalar material pesado, dormir em um lugar horrível, comer mau; o que importa é bater a meta de desempenho.
Imagine a situação em que você tenha um canal no YouTube. Você produz um conteúdo de excelente qualidade, vamos ser mais específico: você produz documentários sobre música. Seu material é feito com uma edição ótima e um referencial teórico de primeira. Temos então um trabalho de pesquisa acadêmica, de edição de vídeo e áudio, de gravação e de marketing. Seu canal tem 20 mil inscritos e 32 mil visualizações. Tanto trabalho para um retorno de apenas R$ 2,85. O esforço, o desempenho, as metas, toda essa baboseira do neoliberalismo é pura falsidade nessa plataforma, e em tantas outras. Portanto, não compensa se matar nela, porque tanto trabalho não serve para a lógica do algoritmo. Aliás, a plataforma exige um absurdo para se encaixar na monetização. Você não tem a quem recorrer, pois tudo está mecanizado nas relações de contrato, ou seja, você vai entrar em contato com uma IA em um primeiro momento, tudo isso porque ideologia neoliberal quer que você pense que é o dono do canal, e por isso é responsável por este valor, quando na verdade você é um usuário na função de funcionário na produção de vídeos, e essa produção de vídeos está seguindo uma carga horária absurda de trabalho, afinal o algoritmo exige que você poste vídeo com uma frequência frenética, e com uma remuneração baixa de 2,85, mesmo tendo 20 mil inscritos.
Referência: Han, Byung-Chul. Além da Sociedade Disciplinar. In: Sociedade do cansaço. tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.
Comentários
Postar um comentário