Acerca do Problema dos Artistas com a Inteligência Artificial
ACERCA DO PROBLEMA DOS ARTISTAS COM A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Janilson Ferreira Fialho Filho
Ao olharmos para a nossa produção artística hoje, podemos então dizer que vivemos no mundo que o artista Andy Warhol propôs, onde a arte seria feita em uma escala industrial como se estivesse em uma linha de montagem. Tanto o artista da grande mídia, quanto o pequeno artista da periferia, estão envolvidos neste processo capitalista. O grande artista está envolvido pela essência da produção de massa, cujo o seu produto faz a tendência para todos consumirem, e logo é descartado depois de ter sido usado por um curto período de tempo; já o pequeno artista da periferia se encontra em um estado de produção artística mais exaustivo por ser menos valorizado, portanto este tem que produzir e reproduzir mais arte, chegando ao passo de fazer artesanato.
Contudo, tendo em vista o nosso modelo econômico se encontrando cada vez mais em um estágio preocupante do neoliberalismo e com o aumento da nossa dependência da tecnologia, agora a classe artística e intelectual entende o que a classe trabalhadora, principalmente a operária, passou e ainda passa com a automação da mão-de-obra e a revolução industrial 4.0. Pois agora as produções de animações, por exemplo, estão ficando cada vez mais práticas, dinâmicas e rápidas de serem feitas e vendidas por qualquer um que saiba usar programação, assim descaracterizando o perfil do artista, confundindo-o com o do programador. O artista neste caso deve-se pôr no seu lugar, pois na visão do mercado atual, o artista é agora só mais uma mão de obra que está ficando obsoleta.
Podemos pensar que o artista perdeu o status social que foi adquirido no século XIX. Ora, sabe-se que os artistas conseguiram um perfil criativo relativamente independente no período do Romantismo, no século XIX, e alcançou o seu apogeu na modernidade do século XX, entretanto, parece que o artista está voltando a ser o que era antes do Romantismo, ou seja, só mais um funcionário na corte do imperador, porém, o imperador atual tem uma face invisível, ou em outras palavras: ele é o mercado. Contudo, será que há algo positivo nessa perda do status elevado de uma figura excêntrica que é o artista? Talvez ele possa adquirir uma noção real e material de si próprio e da sua arte. Aliás, o perfil relativamente independente do artista, que foi dito aqui que nasceu no século XIX, pode ser pensado como a ascensão do homem comum a uma figura pública. É sabido que a revolução francesa teve um papel importante na relativa independência do artista, e uma classe social contribuiu bastante nisto, estamos falando da burguesia, porque estes passaram a ser os novos consumidores de arte, por isso que é dito "relativamente independente", pois o que era antes encomendado por apenas um monarca, passou a ser encomendado por um número maior de pessoas, assim foi se moldando um gosto popular da burguesia. O avanço da burguesia foi crescendo, e o capitalismo foi se tornando mais forte causando o consumismo exacerbado, o que fez entrar em ascensão a indústria cultural, havendo assim uma massificação da arte regrada por uma elite econômica. Podemos concluir então acerca do status do artista hoje tendo um regresso antes do Romantismo, onde ele era um funcionário, assim como outro qualquer, mas a diferença é que hoje o imperador é um sistema econômico que nos prende às regras do mercado musical, se quisermos ganhar dinheiro.
Todavia, nota-se algo diferente de hoje comparado a antes, no período do Barroco ou do Classicismo, por exemplo, que é o desaparecimento da personalidade do artista na sua própria obra; outrora nestes períodos, os artistas eram valorizados ou reconhecidos, e suas obras carregavam o peso de seus nomes, como por exemplo: Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Sandro Boticcelli, William Bird, Alonso Mudarra, portanto, temos conhecimento que estes artistas pertenciam ao período do renascimento, temos conhecimento das suas obras; temos também Mestre Ataíde, Aleijadinho, Caravaggio, Rembrandt, Johann Sebastian Bach, Claudio Monteverdi, Antonio Vivaldi, ou seja, conhecemos estes artistas e suas obras como sendo do período chamado Barroco; Jacques-Louis David, Jean-Baptiste Debret, Wolfgang Amadeus Mozart, Joseph Haydn, Choderlos de Laclos, deste modo, conhecemos estes como sendo artistas do Classicismo, e é na metade desse período que surge a grande personagem de transição do Classicismo ao Romântico, aquele que criou a imagem do artista como protagonista importante na sociedade, ou seja, aquele que compôs a Nona Sinfonia, o grande Ludwig van Beethoven; deve se acrescentar aqui uma frase dita por este compositor que de alguma maneira criou a personalidade do artista, e que serviu de inspiração aos outros que vieram depois dele: Ao príncipe Lichnovsky, um de seus patronos e mecenas, escreveu: “Príncipe, o que vós sois, o sois por acaso e nascimento; o que sou, sou através de mim. Príncipes houve e ainda haverá aos milhares; Beethoven, só há um”. Em outras palavras, foi a ascensão do homem comum a um status social elevado por meio da arte.
Mesmo nesses períodos os artistas tinham seus nomes valorizados, é claro que muitos tentaram alcançar o que podemos chamar de fama, ou seja, alcançar algum meio de patrocínio de suas artes, mas não conseguiram, tanto por falta de talento ou por falta de ligações sociais que permitissem um contato com essa classe, é necessário dizer que o papel das classes sociais estão presente, até mesmo nisso, então é de se supor que muito das produções de artistas pobres não chegaram a uma visibilidade maior por falta de patrocínio, e dos poucos que conseguiram superar essa condição fizeram o seu nome, e voltando a citar Beethoven, este sofreu com a dificuldades de classe social, e ele relata isso em suas cartas, onde ele fala da maldade das pessoas e das barreiras de classe que lhe impedem o contato com as damas de seu coração.
Mesmo antes sendo uma época tão difícil de se conseguir publicar o trabalho artístico, hoje com todo um aparato tecnológico maior para a divulgação de arte, os artistas parecem continuar sofrendo com o anonimato, e uma desassociação do artista com a arte. Os únicos que tem nome hoje são os ditos famosos, as celebridades, que são artistas criados pelo capitalismo e a indústria cultural, ou seja, há todo um aparelhamento de marketing em cima desse tipo de artista. Podemos fazer uma comparação entre o famoso atual pensando então nos músicos do período do barroco, ou do classicismo, estes que tinham como obrigação criar música para atender a estética da igreja ou do imperador, e o músico do período romântico já começava a trilhar o caminho do capitalismo, entretanto, a diferença deste com o artista/famoso da atualidade, ou ainda, aquele que está no chamado mainstreaming, é que estes artistas de outrora tinham um rigor estético e um conhecimento sobre aquilo estavam fazendo, e já no mundo dos famosos atuais só basta ter seguidores nas redes sociais e um rostinho bonito entupido de produtos cosméticos; sendo assim, a indústria cultural pode utilizar este famoso para diversas áreas das artes, e não precisa de conhecimento em nada relacionado a arte, já que ele não vai precisar, afinal, ele tem um engajamento de massas que o permite fazer o que bem entende, só basta manter uma presença constante com os seguidores.
Um dos grandes problemas da crítica artística é o idealismo do próprio campo que não leva em conta todo a subjetividade que a mesma tem, afinal, são sempre as mesmas reclamações como, por exemplo: originalidade, moralidade, finalidade, etc. Até parece que nunca tivemos críticos com um toque estético materialista, para buscar uma desvinculação da arte a coisas já consideradas bastante tolas como um belo ideal, ou algum outro ideal de peso metafísico. Estas discussões são válidas até um certo ponto, mas não totalmente para a proposta do que se pretende abordar agora, que é justamente o problema das IAs (Inteligência Artificial) estarem criando arte. Afinal, este é o problema? Será apenas a IA a responsável pelo desaparecimento do artista com sua obra? E o papel das redes sociais nesta questão?
Peguemos então os ilustradores como exemplo, e coloquemos o tema das IAs no trabalho deles. A questão mercadológica é o que mais intriga os artistas dessa área, justamente pela forma desregulamentada como o trabalho está acontecendo. O problema não é a arte feita pela IA, pois a sensação estética dela também conta, por exemplo, artes feitas por programas como MidJourney contém um rigor estético que são bastante fascinantes. Como foi dito, a experiência estética continua a mesma, porém, tem que se ter consciência de que o real problema da tecnologia nessa questão, é que os artistas não são regulamentados nos espaços virtuais, ou seja, a principal batalha dos artistas é a falta de regulamentação do uso das suas artes no que diz respeito os direitos autorais da obra, o que acaba tirando a identidade do artista, resultando então em uma concentração de artes sem o vínculo autoral com os artistas nos bancos de dados das IAs. Isto acaba gerando a falsa sensação de que a IA é capaz de produzir arte por conta própria, quando na verdade ela simplesmente reproduziu uma obra que foi criada por um artista humano, já que este manipulou o algoritmo, ou podemos pensar que a IA simplesmente roubou uma arte, se pensarmos então na grande concentração de artes sem o vínculo autoral nos bancos de dados. Podemos finalmente pensar que o regresso artístico é mais longínquo do que a idade média, ou seja, voltamos ao período épico da Grécia antiga, onde a IA neste caso é uma espécie de Homero, este que não sabemos se foi uma pessoa ou uma alcunha para reunir a obra de vários poetas, portanto não sabemos se a arte da IA foi feita por um único artista manipulando o algoritmo da máquina ou se foi a IA por conta própria se utilizando de uma arte sem autoria, mas por conta própria é bem difícil de acontecer.
A instantaneidade e o desaparecimento do processo artístico (isso também está presente em outras áreas) gera uma boa reflexão, um tanto pessimista ou otimista, se pensarmos na dependência tecnológica, mas o papel da tecnologia pode ser pensado também em ela ser meramente uma ferramenta no processo criativo.
A arte digital não é um problema. O problema mesmo está na falta de identidade do artista, e essa falta de identidade, ou melhor, podemos chamar de Perfil-Desapegado, é o principal causador do, por exemplo, uso indevido das artes pelas grandes corporações para o marketing. Portanto, essas corporações se utilizam e armazenam as artes sem ao menos pedir permissão ou remunerar os artistas, que depositam arte nestes espaços e acabam caindo nos seus bancos de dados das corporações, afinal, colocar o seu trabalho nessa terra praticamente sem leis reais, que é a Internet, acaba tendo este resultado negativo.
O Perfil-Desapegado é uma consequência diretamente ligado a Internet, especificamente as redes sociais. Um tipo de arte que sofre bastante desse desapego, ou pior: dos compartilhamentos em massa que gera o desaparecimento do perfil do artista, são as artes digitais cuja estética são chamadas de Dream Core, Limial Spaces, Weird Core, Nostalgia Core, etc. Para compreender melhor essas estéticas, peguemos, por exemplo, o Limial Spaces, ou Espaços Liminares na tradução em português, podendo ser entendido como fotografias ou desenhos digitais de lugares abandonados, escadas, elevadores, aeroportos e parques, cujo propósito é explorar esses lugares num conceito de zona vazia. Portanto, um espaço liminar pode ser definido como “o momento entre o ‘o que foi’ e o ‘próximo’. É um lugar de transição, uma temporada de esperar e não saber”. Em todas essas situações, acontece a sensação de desconforto, o sentimento de irrealidade e de transitoriedade, de solidão e nostalgia. Essa estética, assim como as outras, tem elementos surrealistas e também do Dadaísmo. O problema de fato é a falta de autoria presente nessa estética, o que pode ser testemunhado nos perfis nas redes sociais que funcionam como uma espécie de curadoria dessas artes, na descrição não há nenhuma referência ao artista em boa parte das obras.
A falta de autoria, ou melhor, a perda da autoria da obra, pois nada se cria sem um autor, não é algo que nasceu exclusivamente na Internet, é só pensar no exemplo de Homero que foi dado anteriormente. Uma obra quando fica bastante popular, circulando por todas as camadas sociais de maneira oral, portanto, quando não tem uma devida anotação que registre a autoria, ou seja, sem um devido cuidado, logo sofrerá com o desaparecimento do autor. Pense então nas canções folclóricas, como, por exemplo: Atirei o Pau no Gato, Nesta Rua, ou a Ciranda; todas elas não têm uma autoria definida hoje, aliás, é de se supor que estes compositores seriam o que foi chamado de Perfil-Desapegado, porque talvez esta pessoa tenha sido um músico, ou mais de um músico, de uma comunidade pequena, assim não havia uma grande ambição artística desse artista; logo podemos pensar que era uma arte praticada somente entre eles, mas como era uma arte que não tinha notação, e mesmo que tivesse, e por ser de uma região pequena, a prática oral espalhou ela. Imagine então a seguinte situação, em que a canção "Nesta Rua", por exemplo, surgiu em uma determinada comunidade, rural por exemplo, então alguém de outra comunidade ouviu ela, e logo em seguida cantou a canção na sua própria comunidade, logo em seguida outra pessoa de outra comunidade, urbana por exemplo, que passava por ali, ouviu a mesma canção e deu prosseguimento em cantar ela na própria cidade, assim espalhando-a por lá, outro músico conhece a canção e vai dando prosseguimento, portanto, dando continuidade ao processo de reprodução e compartilhamento até virar folclore popular. Duas coisas que acontecem nessa prática de espalhar a música sem a notação: o desaparecimento do autor e a deformação do material original. O que temos hoje é exatamente esta prática no ambiente virtual, e ela acontece por meio dos compartilhamentos nas redes sociais.
A discussão a respeito desse assunto da arte criada pelas IAs pode cair numa espécie de “mérito obrigatório” do que é ser artista, afinal, muitos desses “artistas” que usam a IA para criar pinturas não tiveram uma formação na área, são programadores por profissão, ou seja, são pessoas que tem apenas o domínio do Script. Entretanto, essa questão acadêmica que muitos apontam não é suficiente para definir o que é ser um artista, porque temos que levar em conta que muitos artistas não tem um meio financeiro para começar uma carreira totalmente dedicada as suas obras, ou deixam a carreira por não terem obtido um retorno financeiro quando estavam no meio do caminho. Devemos ter em mente as condições materiais do indivíduo para termos uma visão do que é ser um artista. Por exemplo, uma pessoa do meio rural, e que em boa parte dos casos não tem uma formação acadêmica, logo pela concepção do pensamento acadêmico essa pessoa não pode se considerar um artista, mesmo ela produzindo arte e eventos culturais em certas ocasiões especiais, como feriados; e nos questionamos por que ele não é considerado um artista? Ela precisa de um certificado para atestar que é uma artista? Portanto, como foi visto, podemos apontar as condições sociais dos indivíduos como um fator na questão do que é ser um artista. Vamos supor que um sujeito vive em uma situação de miserabilidade, e por causa disso necessita trabalhar em um serviço que nada tenha a ver com arte para se ter um retorno financeiro rápido, pensemos então que ele trabalha em um supermercado, e nas horas vagas ele se dedica a fazer arte, e é uma arte belíssima, mas ele só faz isso por puro lazer, portanto, neste caso ele tem uma condição técnica e estética muito elevada, mas isso não o permite ser um artista porque a profissão dele é trabalhar no supermercado? Ou ainda, assim como foi dito do trabalhador rural, será que o operário, por exemplo, que realiza uma atividade cultural na cidade em certas datas comemorativas não pode ser considerado um artista? Contudo, por que um programador não pode ser considerado um artista? O artista não é aquele que cria arte? Ou deve se adicionar junto do fazer arte a condição de viver da arte como trabalho? Ora, esse mérito, ou melhor, essa dedicação que muitos apontam para ser artista, está calcada no perfil idealizado, e é um perfil que se entrega de corpo e alma a sua arte. Pois vendo desta maneira, isto é, do sujeito totalmente dedicado ao seu ofício, não vejo outro modo a não ser que o artista se entregue ao artesanato, mas por incrível que pareça o artesanato sofre preconceito dos artistas. Essa idealização do perfil do artista nasceu no romantismo e alcançou seu apogeu no modernismo do século XX, e como já foi dito, o capitalismo cresceu junto com os artistas, ou melhor, com o ideal de artista que conhecemos hoje, então se pensarmos nos artistas daquela época (seguindo até nós da atualidade), podemos fazer um comparativo destes com os empresários capitalistas de acordo com o Mito da garagem, que nada mais é que uma fabricação romântica da própria história com bastante toque de humildade e superação; muitos empresários fazem isso para esconder o passado com ótimas condições de vida e recursos financeiros. Deste modo podemos imaginar isso com boa parte dos artistas, que só era possível ter uma carreira artística dedicada a construir a própria imagem porque muitos eram herdeiros ou eram sustentados pela família burguesa, e como muitos são elitista quanto a transformar a sua arte em artesanato para terem uma estabilidade econômica, era preferido se tornarem outra coisa do que perder a pose intelectual e elitista, por exemplo, poderiam optar em ser professores de arte (que é o rumo que a maioria vai) para preservar a “arte elevada” e “única”, do que a transformá-la em artesanato; aliás, em outros casos quando o artista não tinha recursos financeiros para se sustentar, este podia ter uma mentalidade elitista da obra de arte que não se mistura com artesanato, então eles simplesmente trabalhavam em outra coisa fora da arte, para preservar a “aura” da obra, como diria o filósofo Walter Benjamin. Deve se pensar nisso, pois quem não trabalha com arte, ou ainda, aquele que de alguma maneira quer entrar nessa carreira, tem uma visão um tanto fantasiosa dos artistas, afinal, eles ignoram as questões financeiras dos ídolos e o contexto social que os cercam. Aliás, é interessante notar que nessa discussão sobre perfil ideal de artista, sempre aparece de forma nítida com quem é indicado a academia brasileira de letras, quando eventualmente algum jornalista, advogado ou músico é indicado a ocupar uma cadeira na academia, logo aparece algumas pessoas incomodadas pela indicação de alguém que está de acordo com perfis citados evocando, logo evocam na crítica o tal perfil ideal do “escritor”, e neste caso nenhum dos críticos sabem ou não entram em consenso o que seria ser um escritor. Então o que seria ser um escritor? Aquele que só publica livros, precisamente os romances? Aquele que trabalha em um jornal, para além da profissão de jornalista, não pode ser um escritor? Um músico que escreve canções, não pode ser considerado um escritor, afinal, ele escreve letras para as canções? Pode ser argumentado que neste caso o compositor de canções se iguala ao poeta, mas o poeta não é um escritor?
A crítica que um programador que utiliza IA pode receber é: “Quem trabalha com tecnologia sabe o quão simples é gerar imagens se você tem o Scripit”. Essa questão está baseada na produção técnica, sabendo que a máquina facilitou o trabalho de produzir, e facilitou ao ponto da produção ficar irracional. Mas é de notar que muitos que usam os ditos programas, ou seja, a massa de usuários das redes sociais, não estão preocupados em fazer arte, ou na técnica artística, e sim no próprio prazer estético, isto é, em saber o resultado que o programa irá fazer com a foto do usuário. Portanto, os usuários não se importam com a técnica utilizada, afinal, muitos não têm conhecimento artístico, e pior, como é um programa de arte ligado às redes sociais, um programa que dá ao usuário a oportunidade de criar algo rápido e fácil, logo vem a vontade de descartar ela, e irá descartá-la da seguinte maneira: esquecendo-a no limbo do feed do perfil da rede social, afinal, foi só mais uma postagem. Parece que estamos entrando no mérito do trabalho técnico da arte para ser valorizado, porém, esse fazer técnico não é suficiente como já foi dito, pois há arte feita sem ser de um programa, isto é, de maneira manual, bem simples de fazer e que tem um impacto estético maravilhoso. Podemos pensar que o usuário que utiliza o programa, trate a arte feita pela IA como uma mera brincadeira, ou seja, não há valor na obra. O usuário também pode tratar ela como um mero produto de consumo estético, e isso é consequência do consumismo gerado pelo mundo capitalista, afinal, até produções artísticas feita com um rigor técnico sofre do consumismo que resulta no descarte apressado. A cultura do consumismo disfarçada de arte pode ser vista na onda das NFTs, quem soube aproveitar isso foram os especuladores do mercado financeiro que lidam com o esquema de pirâmide das moedas digitais, afinal, aquela arte digital foi tratada como uma mera figurinha com um alto valor gerado por essas empresas, aliás, é perceptível o uso da imagem de muitas celebridades que são puramente peças de marketing desse mercado financeiro digital para promover essa arte como só uma peça publicitária de alguma empresa bilionária. Deste modo, essas empresas viram a oportunidade de ganhar dinheiro fácil com algo que está dentro de um ambiente desprovido de ética aos artistas. A falta de autoria é um problema, na verdade é o pior deles, e é o mais explorado por essas pessoas do mercado para gerar arte alienada de alguém e vendê-la.
Podemos dizer que o perfil ideal para esta situação seja o perfil de um trabalhador, ou seja, um trabalhador que produz, mas não colhe o resultado do trabalho, pois o lugar (a Internet) onde deveria divulgar o seu trabalho é o mesmo lugar onde a arte produzida é encontrada em um estado banal de perda de sentido e de sua autoria, portanto, tira dele o devido valor do que produz. Deste modo, é perceptível que muitas obras da arte digital que foram citadas não tem autoria, ou que simplesmente se perdeu no decorrer do tempo, pois qualquer um compartilhe a sua, por ser feita diretamente para as redes sociais ela carregará justamente essa consequência desde sua concepção.
No fim, parece que a arte virou artesanato derrotando o elitismo dos artistas, a arte aparenta perder toda a aura única e passou a ser reproduzida, o artista perdeu um pouco da exclusividade para a máquina, porém, a propagação em massa retomou algo antigo, que é a falta de autoria. A produção em massa, como fora proposto por Andy Warhol, estava em um contexto de arte sendo objeto físico, então mesmo sendo uma produção em série ela chega a um limite de recursos, e é esse limite que faz a valorização. O problema atual é o novo espaço virtual, onde a propagação da obra vai a um número infinito praticamente, e a propagação em massa gera a perda da autoria da arte, o que dá uma facilidade maior ao roubo da arte, e tecnicamente esse roubo vai parar nas grandes empresas de tecnologia, o resultado portanto é a alienação do trabalho artístico para uma marca, ou pelo menos a alienação de sua característica estética desvinculada sem a preocupação de referência de onde vem tal conceito estético.
Enquanto a IA for uma ferramenta, vai precisar da mão humana, e a mão humana deve cobrar o seu devido valor pelo seu trabalho, pois se o artista não se atenta a isso, a questão mercadológica continuará sendo ignorada por causar muito medo aos artistas, por isso que muitos são enganados por essas empresas bilionárias de tecnologia, isto é, as redes sociais. No fim das contas, não tem outro jeito: ou a classe artística se une, assim como a classe trabalhadora faz, ou continuará saindo prejudicada e explorada.
Texto escrito em 03/01/2023
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AVENDAÑO, Tom C. A verdade oculta das ‘empresas de garagem’ do Vale do Silício. El País Brasil, 2014. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/24/tecnologia/1416831260_738423.html acesso em: 27/01/23
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